Por Paulo Stekel
Cabala Tradicional
Uma Tradição é
um conjunto de cultura, usos e costumes de uma determinada cultura,
civilização, religião, etc.
Uma Tradição
Espiritual é um conjunto de ensinamentos relativos a determinada
crença, fé ou religião.
Uma Tradição
Mística é um conjunto de ensinamentos espirituais de uso mais
reservado, restrito, destinado a um círculo mais seleto.
Neste último sentido,
Cabala é uma Tradição Mística, enquanto o Judaísmo,
onde ela foi expressa, é uma Tradição Espiritual. A
religião judaica compreende o aspecto externo,
“exotérico”, desta espiritualidade. A Cabala compreende o
aspecto interno, “esotérico”, da mesma
espiritualidade. O aspecto externo se baseia no dogma e
na crença, onde nada pode ser mudado, apenas aceito. O aspecto
interno se baseia na experiência mística, não-dual, a
experiência do próprio praticante no silêncio de seu coração,
experiência esta que pode envolver recitação, oração e
meditação. Vemos isso em várias tradições. A Cabala não é
diferente.
A palavra Cabala,
originalmente em Hebraico, QBLH – se translitera Qaballah e se lê “cabalá”, provém do
verbo hebraico Qibbel ("aceitar, receber, tomar algo") e, neste sentido,
significa Tradição. Assim, Cabala era, no início, uma
tradição espiritual dos hebreus que vinha desde Moisés, sendo
oral, passada de pai para filho (e de mestre para discípulo) ao
longo dos séculos. Esta é, pelo menos, a versão dada pelos antigos cabalistas. Antes de ser chamado de Cabala, o estudo
dos Mistérios da Torah (A Lei judaica consignada nos cinco
primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco), foi conhecido pelo nome
de Mistorin (“mistérios”, uma corruptela do grego
mysterion). Mas, na verdade, a origem da Cabala está na Idade Média, sendo o cúmulo do desenvolvimento filosófico-religioso do pensamento rabínico e da contemplação.
Em princípio, a Cabala
(esta é a forma da palavra em português) versa sobre os cálculos
místicos com os nomes e as letras (Cabala Simbólica), as
Hierarquias de Anjos e Demônios e a transmigração das almas
(Cabala Dogmática), as Sefirot, a Árvore da Vida e a Divindade
(Cabala Metafísica). O ensinamento tradicional da Cabala é ao mesmo
tempo Histórico, Moral e Místico.
Outra forma de definir
do que trata a Tradição Mística da Cabala é através do Trinômio
Deus – Homem – Natureza.
Deus
(Mente Cósmica, Absoluto, Áyin, Divindade)
Δ
Natureza (Criação) Homem
(Consciência)
A relação entre Deus
e a Natureza trata da Criação do Universo (Ma'assê
Bereshith – a Obra da
Criação); a relação entre Deus e o Homem trata da Redenção
(Ma'assê Merkavah - a Obra do Carro Celeste, o retorno ou
ascensão ao Pai); a relação entre a Natureza e o Homem é a vida
no mundo, o qual pode ser desfrutado, conhecido, controlado,
modificado e adaptado pelo Homem, se tiver conhecimento de como
fazê-lo. É nesta terceira relação que está a Magia Cabalística
(Teurgia e Goetia), também chamada Ars
Magna (A Grande Obra) e o uso da Numerologia para invocar
aspectos divinos em nossa vida, para torná-la mais harmônica.
A Cabala não é uma
fonte exclusivamente judaica. Historicamente, há provas suficientes
de, pelo menos, cinco fontes de seu conhecimento: uma fonte egípcia
(via Moisés), uma fonte Hebréia (via Patriarcas e Reis no período
dos Reinos de Israel e Judá), uma fonte Babilônia (via Esdras
durante o Cativeiro), uma fonte grega (influência da Filosofia em
geral e do Pitagorismo em particular) e, quiçá, uma fonte árabe
(especialmente a alquimia árabe). Assim, entendemos que a Cabala tem
um quê de universalidade que casa bem com o gosto moderno pela
integração dos conhecimentos. O pano de fundo da Cabala é judaico,
mas seu conhecimento é universal!
Não-dualismo
Não-dualismo ou
Não-dualidade, é o termo usado para traduzir o termo sânscrito
“advaita” (de “advaya”, não-dual). Este termo e o conceito
são utilizados para definir um certo número de vertentes de
pensamento religioso, filosófico e espiritual, sendo encontrado em
várias tradições asiáticas e na espiritualidade ocidental
moderna, porém com uma gama de significados e usos.
A perspectiva
não-dual (seja filosófica ou religiosa) declara que não há
nenhuma distinção fundamental entre mente e matéria, sendo o mundo
fenomênico uma ilusão, uma aparência fugaz, de curta duração.
Não-dualismo é uma unidade, em vez de dualidade ou separação ou
multiplicidade. Para muitas tradições da Ásia, a verdadeira
condição ou a verdadeira natureza da realidade é não-dual, e
aparentes dicotomias são meras conveniências imprecisas.
O não-dualismo é
contrário ao conceito de dualismo ou dualidade, que é constituído
pela manifestação de coisas na existência de dois princípios
supremos, incriados, independentes, irredutíveis e antagônicos.
De acordo com David
Loy (Nonduality: A Study in Comparative Philosophy, New Haven,
Conn: Yale University Press, 1988), quando você percebe que a
natureza de sua mente e o universo são não-duais, está iluminado.
Ainda esclarece:
“(…) [A
semente de não-dualidade] nunca encontrou solo fértil [no Ocidente]
(...). Na tradição oriental (...) encontramos uma situação
diferente. Lá, as sementes da não-dualidade não só brotou, mas
amadureceu em uma variedade (alguns poderiam dizer uma selva) de
impressionantes espécies filosóficas. Mas, não significa que todos
estes sistemas [orientais] afirmem a não-dualidade de sujeito e
objeto, mas é significativo que três o façam – [Advaita]
Vedanta, Budismo e Taoismo.”
Cabala
Não-Dualista
De acordo com o
Rabino Jay Michaelson, a não-dualidade começou a surgir nos textos
medievais da Tradição Judaica que culminaram no Hassidismo. Para
ele, o Judaísmo tem em seu interior uma tradição mística muito
antiga que é profundamente não-dualista. A noção de "Ein
Sof" ou "Nada", a infinita vaziez, é considerada a
base de tudo o que existe. Nesta visão, Deus é considerado acima de
qualquer proposição ou preconcepção. O mundo físico é visto
como emanando do "Nada" como as muitas faces ("partsufim")
de Deus que são todas uma parte do "Nada" sagrado.
Uma das mais
importantes contribuições da Cabala, e que se tornou uma noção
central no pensamento Hassídico, foi a interpretação altamente
inovadora da ideia monoteísta. A crença em "Deus Uno" não
é uma mera rejeição de outras deidades ou intermediários, mas uma
negação de qualquer existência fora de Deus.
A "iluminação" é muitas vezes considerada como um conceito puramente "Oriental",
estranho às religiões monoteístas ocidentais. Isto porque o
hinduísmo e o budismo, em geral, estão mais focados no despertar
individual e na transformação que resulta deste despertar, do que
as religiões abraâmicas. Mas, se analisarmos a questão sob o viés
não-dualista, veremos que o Despertar ou “iluminação” pode
assumir várias formas, mesmo dentro do teísmo.
Se podemos falar de
um Despertar ou Iluminação judaica ou cabalística, temos que nos
remeter à previsão de Daniel em seu livro profético (Daniel 12:3),
que diz: “o iluminado (maskilim) brilhará como o brilho
(zohar) do céu". O Sefer Ha-Zohar (ou simplesmente
Zohar), a principal obra da Cabala, que tomou o seu nome a partir
deste versículo, explica que os iluminados são os que refletem o
mais profundo "segredo da sabedoria" (Zohar 2:2a).
Qual é esse segredo? A despeito das variações na resposta, o
segredo mais profundo é de que tudo e todos somos como as letras de
uma única palavra divina, chamada Ein-Sof ou Ain-Soph (a rigor, se
lê ên-sôf, em Hebraico), significando “sem fim”, “infinito”.
Abaixo disto está a Luz Divina (En-Sof-Or) e, acima, está apenas
Ain, o “Nada”. Aqui, Ain como “Nada” e, ao mesmo tempo, o
aspecto mais profundo de Deus, nos remete a uma mescla do Budismo
Mahayana (que afirma que tudo é Vazio, um Nada, porque nada possui
inerência ou vida independente, sendo impermanente) com o Advaita
Vedanta indiano (que afirma que a realidade de tudo é Brahman, o
Absoluto, e que nada existe fora dele).
Essa visão não-dual
não significa que não existimos de modo algum, mas que não
existimos do modo como pensamos que existimos. Em termos relativos,
as coisas são, sim, exatamente como se parecem. Mas, em uma
perspectiva última, tudo é um ou, na linguagem teísta e cabalista,
tudo é Deus. Mas, não é o Deus do teísmo popular, o Deus
carcomido pelo tempo sentado num trono a julgar os reles mortais. É
um “Deus além de Deus”, o Ein Sof, Ser e Nada.
O Zohar ( Zohar III:
225a, Raya Mehemna, Parshat Pinchas) afirma que Deus “enche
todos os mundos e rodeia todos os mundos (…)
Ele liga e une um tipo a outro, superior com inferior, e os quatro
elementos não se agrupam exceto através do Santo Abençoado, como
ele está dentro deles”. Na verdade, nesta perspectiva, não há
lugar sem Deus.
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