Por Paulo Stekel
Introdução
Alguns dias atrás
vi uma figura pelas redes sociais (ver figura acima) comentando sobre o
aspecto natural da homossexualidade. A achei muito interessante e
resolvi tecer alguns comentários sobre o raciocínio desenvolvido na
mesma:
“Tenho
pesquisado isso há muitos anos, tanto do ponto de vista espiritual
quanto biológico, e concluí que, realmente, a natureza é sábia
ou, numa linguagem mais moderna, se adapta às condições. Há
muitas teorias sobre o tema, mas me parece plausível que a
sexualidade das espécies, não apenas a humana, é mutável de
acordo com as condições do ambiente e, no caso da humana, também
de acordo com as condições sociais. Assim, como no caso de bebês
pinguins abandonados por seus pais de sexos opostos tendem a ser
adotados por casais de pinguins do mesmo sexo, vejo que na espécie
humana talvez tenhamos uma ‘missão’ a cumprir. Espiritualmente
falando, talvez seja esta uma oportunidade de demonstrar amor
incondicional por crianças adotadas independente de conexões
biológicas. Isto estaria ligado à transcendência do ser mais do
que à sexualidade em si.
Contrariamente à
opinião preconceituosa de uma parte dos líderes do espiritismo, que
dizem ser a homossexualidade algum tipo de provação ou o fato de se
ter reencarnado muitas vezes no mesmo sexo, resultando em dificuldade
de adaptação ao outro sexo, penso que é uma possibilidade natural
tanto quanto qualquer outra (as outras duas são a heterossexualidade
e a bissexualidade, esta última comum no reino anfíbio e entre
peixes, que mudam não só a orientação quanto o gênero, em
situações críticas). Mas, o preconceito de mentes que não admitem
o diferente, que determinam a norma, respaldados por crenças
religiosas medievais, é o único entrave ao nosso pleno existir em
sociedade. Não voltaremos aos armários, pois não cometemos crime
algum. Aliás, os corruptos deste país, leigos ou religiosos, é que
devem se esconder pela vergonha que causam a esta nação!”
(texto do meu feed no Facebook)
Como
várias pessoas teceram comentários sobre este
texto nas redes sociais, resolvi
desenvolver mais meu pensamento neste artigo. Para
embasá-lo, farei uma revisão dos trabalhos que têm sido publicados
sobre o tema nos mais variados âmbitos, como o biológico, o
sociológico, o psicológico e o espiritual. O
âmbito antropológico está esparso entre o biológico e o
sociológico.
Aspectos
biológicos da homossexualidade
Em
2016 a revista Superinteressante
(https://super.abril.com.br/ciencia/por-que-os-gays-sao-gays/)
publicou um artigo sobre as bases biológicas da homossexualidade.
Uma das afirmações do artigo é a de que
“a formação da sexualidade acontece antes do nascimento – em
parte pelos genes, mas também por fatores que atuam no
desenvolvimento do feto”. Como o próprio artigo depois alerta,
isso não é um fato confirmado, apesar dos indícios.
Ainda
no mesmo artigo, confrontando aqueles que dizem que não há o que
explicar sobre a homossexualidade e de que se deve apenas aceitá-la,
e pronto: “‘Os
homossexuais são muitas vezes acusados de exibir um comportamento
não natural. A única maneira de refutar essa acusação é
pesquisar as causas das diferentes orientações sexuais’, diz a
bióloga transexual Joan
Roughgard, professora da
Universidade Stanford e autora do livro Evolution’s
Rainbow (‘Arco-Íris da
Evolução’, sem tradução em português), em que analisa cerca de
300 casos de comportamento homossexual entre animais.”
Em
1991, o neurocientista anglo-americano Simon LeVay, gay declarado,
anunciou ter encontrado diferenças em cérebros de homens gays e
héteros. Ele examinou
o hipotálamo, zona-chave da sexualidade no cérebro, e descobriu que
a região chamada INAH-3 era entre 2 e 3 vezes menor nos gays.
Contudo, a pesquisa foi contestada porque
os pesquisados haviam morrido em decorrência da AIDS, o que pode ter
interferido no tamanho da região pesquisada.
Em 1993, Dean Hamer,
do Instituto Nacional do Câncer (EUA), percebeu que dentro das
famílias havia muito mais gays do lado materno (mulheres têm dois
cromossomos X, enquanto os homens têm um X e um Y). Usando um
escâner, Hamer viu que uma região do cromossomo X, a Xq28, era
idêntica em muitos irmãos gays. O que ele descobriu não foi um
único gene gay, mas uma tira de DNA transmitida por inteiro. A
pesquisa foi um alento para os gays, pois era a esperança de que seu
comportamento tinha uma prova científica de não ser “antinatural”.
O caso já conhecido
de gêmeos com orientação sexual diferente mostra que, sozinha, a
genética não explica a homossexualidade. Mas isso não significa
que a criação e o ambiente tenham todas as respostas.
Michael Bailey, da
Universidade Northwestern, e Richard Pillard, da Universidade de
Boston, ambos dos EUA, analisaram gêmeos e viram que, entre
bivitelinos, se um é gay, o outro tem 22% de possibilidade de também
ser. Para os univitelinos, a probabilidade sobe para 52%.
A taxa de
homossexualidade entre a população, que antes era considerada em
torno dos 10%, de acordo com o famoso e polêmico Relatório Kinsey,
dos anos 40, agora cai para a taxa de 2% a 5% segundo pesquisas mais
recentes. Bailey e Pillard, portanto, de certa forma, provam a
existência de um componente genético para a homossexualidade, mas
que também os genes não dão conta de tudo. “Os estudos com
gêmeos feitos até agora nos permitem uma estimativa de que até 40%
da orientação sexual venha dos genes”, diz Alan Sanders, da
Universidade Northwestern, EUA.
Eu
mesmo tenho testado uma teoria pessoal, que normalmente se confirma,
a ponto de eu conseguir acertar até quem é: numa família com até
2 filhos, um PODE ser gay; com 3 filhos, um COM CERTEZA é (mesmo que
não seja assumido); com 4 filhos, um É e outro pode ser; com 5 a 8
filhos, COM CERTEZA dois são gays. Já fui padrasto de 4 crianças
e acertei em cheio com 8 anos de antecedência qual era o filho gay –
sem que ele nunca soubesse desta minha avaliação (ele teve uma
relação gay por volta dos 15 anos). Neste
minha teoria pessoal, a taxa de homossexualidade sobre para 25%.
Claro que ela é baseada na minha observação nestes meus quase 50
anos de vida, e tenho uma memória estatística, mas o fato é que o
percentual varia muito de pesquisa para pesquisa, por mais científica
que seja. Talvez a divergência maior se deva ao fato de
desconsiderarmos a relação da homossexualidade com a bissexualidade
no processo. Talvez pudéssemos considerar
como um padrão inicial aceitável a cifra de 2 a 10% de homossexuais
sem propensão à bissexualidade e de até 25% os bissexuais em
variados graus. Neste caso, um quarto da humanidade teria propensão
a experiências homossexuais frequentes ou esporádicas. Isso sem
contar as experiências dos adolescentes, não envolvendo ato sexual
completo, o que pode chegar a 50%, conforme pesquisas bem antigas.
Mas,
o que isso quer dizer, do ponto de vista biológico? Uma
pessoa comentou nas redes sociais quando publiquei os dois parágrafos
da Introdução: “Acho
que a natureza é
sábia,
pois diante de tantas crianças
abandonadas por pais
irresponsáveis, casais do mesmo sexo adotam as mesmas,
educando-as
com valores atuais e com muito mais amor que muitos pessoas ou casais
heterossexuais - também,
é um controle de natalidade.”
(V.M.A.)
Controle.
É uma possibilidade, mas também o fato de que indivíduos e casais
homossexuais são mais voltados às suas famílias do que os
heterossexuais. Existe mesmo um clichê do gay que cuida dos pais
(especialmente a mãe) com muito mais atenção que seus irmãos
heterossexuais, que normalmente dão de ombros. Mas, considerando que
pais já idosos não se reproduzem mais, qual seria o motivo da
natureza favorecer filhos gays que os cuidem na velhice? Um fator
possível é a conexão que os mais velhos mantém com os mais novos,
visando a sobrevivência da espécie, algo de que a própria
antropologia já falou bastante ao pesquisar o conceito de clã.
Este
aspecto de um “controle de natalidade” deve ainda
ser interpretado sob o ponto de vista
biológico neodarwinista. A natureza tende ao equilíbrio, ao qual se
chama de homeostase.
O neurocientista português António Damásio prefere usar o termo
homeodinâmica,
pois entende que o equilíbrio natural não
é uma espécie de “estasis”, ou seja, uma estática, mas uma
condição variável que se mantém dentro de certos parâmetros
viáveis para a manutenção e desenvolvimento da vida. Homeodinâmica
faz mais sentido, portanto, que o termo homeostase,
portanto.
Algumas
teorias biológicas mais estranhas não encontraram nenhuma base
firme, como a dos hormônios pré-natais, a de que os irmãos mais
velhos interferem na sexualidade dos mais novos (o efeito “big
brother”), a de que a mãe trata o caçula de vários filhos homens
como a menina que não teve e a preconceituosa ideia de que o abuso
sexual na infância causa homossexualidade. Em meus mais de 30 anos
de atendimentos com aconselhamento espiritual atendi algumas dezenas
de homens que afirmaram ter sofrido abuso sexual na infância e, a
despeito do trauma, um percentual mínimo se “tornou” homossexual
na fase adulta. Eu mesmo, sou o filho mais
velho de quatro homens, nunca sofri abuso e o caçula não é
homossexual.
Podemos
concluir de modo prévio que, assim como tudo o mais que somos como
indivíduos, é influenciado, mas não totalmente determinado pela
biologia, a homossexualidade também deve ser influenciada, mas não
totalmente determinada por fatores biológicos. Na verdade, a
pesquisa deve ser realizada pelo mais óbvio: o que leva uma pessoa a
ser heterossexual? Não, não é uma pergunta estranha ou que
prescinda de resposta. Não é assim porque é assim. Isso não é
científico. Responder a esta questão permitirá responder às
dúvidas sobre a homossexualidade e a bissexualidade.
Aspectos
sociológicos da homossexualidade
A
recusa dos gays atuais de serem considerados como desviantes
“outsiders”
(Becker) ou fora da norma social tem sua razão de ser. Tem motivos
biológicos, como já analisamos, mas também motivações sociais e
antropológicas.
O primeiro registro
de um casal homossexual na história é geralmente considerado o de
Khnumhotep e Niankhkhnum, um casal egípcio do sexo
masculino, que viveu por volta de 2400 a.C. Foram eternizados em um
momento íntimo, beijando-se (ver figura abaixo).
(O casal gay egípcio Khnumhotep e Niankhkhnum, em um beijo eternizado há mais de 4400 anos)
Em muitas sociedades primitivas e outras ainda
existentes, as relações entre pessoas do mesmo sexo não são
vistas como algo ruim. São toleradas em algumas tribos africanas
antes do meninos se casarem. Os
antropólogos Stephen Murray e Will Roscoe relataram que mulheres do
Lesoto
envolviam-se em relações de “longo prazo e eróticas” chamadas
motsoalle.
Em tribos de nativos americanos, nos EUA e
Canadá, pessoas homossexuais (orientação sexual) e mesmo
transgêneros (orientação de gênero) são vistos com respeito e
até como uma forma elevada de espiritualidade (a
crença nos “dois-espíritos”, onde os homossexuais eram
transformados em xamãs). Pierre
Clastres pesquisou a homossexualidade aceita pelos índios Guayaki,
no Paraguai. A homofobia é, em grande
medida, moderna, abraâmica, masculina e amiga do fascismo e
autoritarismo, pois a liberdade de ser quem se é fere a vontade de
domínio social dos ditadores de sempre, sejam capitalistas ou
comunistas.
A
maior parte dos gays demora para fazer o
“outing”
(o “sair do armário”,
assumir-se) porque tem medo da reação social, começando pela da
família, dos irmãos de religião, dos colegas de trabalho e
chegando à reação dos amigos, incluindo os de infância. Eu mesmo,
só me assumi para mim mesmo aos 20 anos (o
“aceitar a si mesmo”) e, para todos,
aos 25 anos (o “ser aceito pelos
outros”). Atualmente,
vejo os jovens se assumindo aos 13 ou 14 anos, e para os demais, a
partir dos 18 anos. Isso se deve à informação sobre a
homossexualidade disponível por vários meios impressos e digitais,
que permitem que estas pessoas encontrem respostas para seus
sentimentos conflitantes muito mais cedo, evitando anos de sofrimento
desnecessário. Escrevo artigos desta natureza exatamente na intenção
de que possam ajudar estes jovens a entenderem que têm o mesmo
direito dos demais a um lugar de felicidade neste mundo.
Do
ponto de vista sociológico, as sanções impostas a quem assume a
própria homossexualidade são de diversos tipos: sanções
informais, violência física em vários
graus (homofobia), violências morais, tais
como olhares desaprovadores, observações negativas, chacotas ou
injurias. A pessoa deixa de participar de
eventos familiares, não é convidada para casamentos e aniversários,
não pode levar seus companheiros ou namorados, tem que se valer de
relacionamentos de fachada, apresentar companheiros como sendo
“amigos”, evitar qualquer demonstração de carinho socialmente
permitido para os heterossexuais e ainda sofrer a acusação
hipócrita de ser uma “máquina de sexo”, como se os maridos das
mulheres heterossexuais fossem menos predadores sexuais
quando as traem a torto e a direito, como todos sabemos, mas
raramente falamos. Sim, os homens (gays ou
não gays) traem muito mais que as mulheres!
Numa
análise Foucaultiana da sexualidade, temos que entender
a equação poder-sexo através de duas
chaves conceituais relacionadas: o dispositivo
da sexualidade (conjunto de práticas,
instituições e conhecimentos que desde o Séc. 18 fizeram da
sexualidade um domínio coerente e uma dimensão absolutamente
fundamental do indivíduo) e a scientia
sexualis (conjunto
de regras que disciplinavam os saberes sobre sexo e prazer, as quais
levavam em conta uma biologia da reprodução humana ao lado de uma
medicina do sexo). Foucault afirmava
que a sociedade se viu obrigada a comentar mais objetivamente sobre o
sexo para poder estabelecer um controle sobre o mesmo.
Aqui,
é impossível não relacionar o dispositivo
ao capitalismo.
O dispositivo é algo estabelecido pelo
poder como forma de controle e coerção, que pretende regular a
relação com prazer. Concomitantemente ao
advento deste, o advento do capitalismo
(séculos XVI até
o XIX) forçou o
sexo a se confessar e a se
manifestar por meio de várias instituições: a família, a Igreja,
o Estado, na medicina, no Direito, na sociologia, na psicologia e
psiquiatria. Tanto que o termo
homossexualismo foi criado em 1869 pelo escritor húngaro Károly
Mária Kertbeny, e a partir de então, a “visibilidade” que isso
deu às pessoas que se orientam para as do mesmo sexo foi
completamente negativa, por sugerir que se tratava de uma doença
mental.
Mesmo
quando analisamos o preconceito contra a homossexualidade no mundo
comunista,
o fantasma do capitalismo ressurge. Em geral, nos países comunistas,
a homossexualidade era (e ainda é) considerada um comportamento
burguês e capitalista. Ou seja, enquanto para as sociedades
capitalistas, a homossexualidade é considerada um pecado contra a
natureza e deve ser reprimida, para as sociedades comunistas, é
considerada uma licensiosidade burguesa fomentada pelo capitalismo.
Ambas as noções são totalmente equivocadas. O que ambas as
sociedades têm em comum é o preconceito e o desejo de regulação
do prazer, normatizando-o na esfera da heterossexualidade
reprodutiva.
Quando
a homossexualidade é vista de forma
reducionista, preconceituosa,
acaba-se relacionando-a com comportamentos
também existentes entre os heterossexuais e não exclusivos da
homossexualidade, como a pederastia, a
prostituição, o
estupro e o
assédio de todos os tipos. Ser
gay não é sofrer de uma patologia somática, mas, muitas vezes,
padecer de uma carga traumática tão forte quanto a de sobreviventes
de guerra, isso devido ao preconceito, à não aceitação
social, à privação de direitos e à violência homofóbica.
Podemos
concluir de modo prévio que, assim como tudo o mais que somos como
indivíduos, é influenciado, mas não totalmente determinado pela
cultura, a
homossexualidade também deve ser influenciada, mas não totalmente
determinada por fatores culturais.
Na verdade, a pesquisa deve ser realizada pelo mais óbvio: o que
influencia a sexualidade de uma pessoa
dependendo da cultura em que é criada?
Aspectos
psicológicos da homossexualidade
A teoria de Sigmund
Freud sobre a homossexualidade é totalmente ultrapassada e não
encontra nenhuma sustentação científica. Freud dizia que mães
superprotetoras e pais ausentes poderiam levar o filho a ser gay.
Mas, em vez de encontrar a causa, Freud possivelmente enxergou a
consequência: a superproteção da mãe não seria a origem da
homossexualidade, mas um ato de defesa para um filho que é rejeitado
pelo pai por se comportar, desde cedo, de maneira feminina.
A
psicologia foi uma das primeiras disciplinas a estudar a orientação
homossexual como um fenômeno discreto. Mas,
ao mesmo tempo que foi uma das responsáveis por retirar do âmbito
religioso o preconceito contra os gays, o reposicionou, junto com a
Psiquiatria, no terreno médico, criando a noção de
“homossexualismo” como sendo uma doença mental que poderia ser
tratada, o que só pirou as coisas (cfe. opinião de Daniel Borrillo
em “Homofobia – história e crítica de um preconceito”, Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2016, um clássico contra o
preconceito). Em 1886 o sexólogo Richard
von Krafft-Ebing propôs que a homossexualidade era causada por uma
"inversão congênita" ou uma "inversão adquirida".
Graças a pensamentos como este e também
de Freud, no final do século XIX e início
do XX, os modelos patológicos da homossexualidade eram o
padrão. Tanto que a Associação
Americana de Psiquiatria só
retirou a homossexualidade do DSM em 1973, afirmando que “a
homossexualidade em si não implica qualquer prejuízo no julgamento,
estabilidade, confiabilidade ou capacidades gerais sociais e
vocacionais.” Por sua vez,
a Associação Americana de Psicologia só
adotou a mesma posição em 1975, exortando
seu profissionais a
“assumir a liderança em eliminar o estigma de doença mental que
há muito tem sido associado com orientações homossexuais.”
Após
um período trevoso promovido pela Psiquiatria e Psicologia, o atual
consenso das ciências comportamentais e
sociais e dos profissionais de saúde e saúde mental é que a
homossexualidade, por si só, é uma variação normal e positiva da
orientação sexual humana. Assim, a
homossexualidade não é mais
listada na CID
(Classificação Internacional de Doenças).
No
Brasil, um país sempre atrasado, somente
em 1985 o Conselho Federal de Psicologia
deixou de
considerar a homossexualidade como um desvio sexual e, somente
em 1999, estabeleceu
regras para a atuação dos psicólogos em relação à questões de
orientação sexual, declarando que “a homossexualidade não
constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” e que os
psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham
tratamento e cura da homossexualidade. Mas,
os grupos neopentecostais fundamentalistas sempre andam às voltas
tentando ressuscitar os centros de reabilitação da
homossexualidade, a que chamam de centros de “cura gay”.
Atualmente,
gays, lésbicas e
bissexuais que procuram psicoterapia o
fazem pelas mesmas razões dos
heterossexuais: estresse (especialmente
por conta do preconceito), dificuldades de
relacionamento, dificuldade de adaptação às novas situações
sociais ou de trabalho, etc.
Do
ponto de vista da Psicobiologia, uma
neurociência, parece
que os seres humanos estimulam suas zonas
erógenas porque estas
provocam
recompensas no cérebro, como o orgasmo,
e são observadas
no nível da consciência como sensações de prazer erótico e
satisfação. Entre humanos, chimpanzés, orangotangos e golfinhos, o
comportamento sexual não é mais exclusivo
da reprodução, mas se tornou um
comportamento erótico. A
evolução teria sido a responsável pela
diminuição da importância e influência
dos hormônios e dos feromônios sobre o comportamento sexual.
A
partir disto, se pode deduzir que, biologicamente
a sexualidade humana seria um tanto bissexual, mas
que a influência do contexto cultural e
das experiências pessoais é maior no desenvolvimento da orientação
sexual. A homossexualidade, a heterossexualidade e a bissexualidade
são possibilidades “biologicamente normais” do desenvolvimento.
“Fatores biológicos (como genes e hormônios) são certamente
responsáveis por mais de 50% da orientação sexual”, diz Dean
Hamer, o pai do “gene gay”, que aqui
admite que há espaço para fatores psicológicos.
Podemos
concluir de modo prévio que, assim como tudo o mais que somos como
indivíduos, é influenciado, mas não totalmente determinado pela
estrutura psíquica,
a homossexualidade também deve ser influenciada, mas não totalmente
determinada por fatores psicológicos.
Na verdade, a pesquisa deve ser realizada pelo mais óbvio: o que
influencia a sexualidade de uma pessoa
dependendo da estrutura de sua psique?
Aspectos
espirituais da homossexualidade
Após
analisar fatores biológicos, sociológicos e psicológicos que
certamente influenciam a sexualidade das pessoas, agora nos resta
avaliar a questão sob o ponto de vista espiritual. Por “espiritual”
entendemos aqui, não o conceito religioso formal, ligado às
religiões instituídas, mas uma noção de tendência natural do ser
humano à transcendência, ao conhecimento de si e da realidade que o
cerca em bases emocionais e intuitivas, não científicas, nem
dogmáticas. Mas, antes, vamos partir de
algumas ideias inovadoras da biologia.
O
desafio dos que apoiam
uma base genética para a orientação sexual é explicar a
permanência e adaptação dos genes gays ao longo da evolução.
“Ser atraído pelo sexo oposto é útil porque leva o indivíduo a
gerar filhos – por isso os genes da heterossexualidade dominam o
planeta. Mas como os genes da homossexualidade também parecem
existir, é provável que sirvam ou tenham servido a algum valor
reprodutivo ao longo da evolução”, diz o cientista inglês Qazi
Rahman. Que propósito seria este?
Para
a bióloga Joan Roughgarden, a homossexualidade é um traço natural
que mantém indivíduos unidos através do contato. “Estamos muito
preocupados com o contato genital, mas tudo não passa de intimidade
física”, diz. Ou seja, o contato entre
as pessoas favorece a sobrevivência da espécie. E, como somos
mamíferos, o contato nos é uma questão de vida ou morte.
Para
o psicólogo Daryl Bem, da Universidade Cornell (EUA), criador da
teoria “exótico se torna erótico”, os indivíduos são atraídos
por outros de quem se sentiram diferentes na infância. Assim,
meninos (ou meninas) que gostam de futebol conviverão com grupos
semelhantes na vida adulta e se interessarão por grupos opostos (as
meninas ou meninos que brincam de bonecas); meninos ou meninas que
gostam de bonecas conviverão com grupos semelhantes na vida adulta e
se interessarão por grupos opostos (os meninos ou meninas que gostam
de futebol). “Isso ocorre porque nossa sociedade polariza as
diferenças de gênero. Se não as polarizasse tanto, mais homens e
mulheres escolheriam parceiros com base em outros atributos além do
sexo biológico”, diz Daryl. Ainda que esta teoria pareça clichê,
pode ter alguma lógica.
Independente da
teoria biológica, parece que a pesquisa tende a demonstrar que não
só a homossexualidade, lesbianismo e bissexualidade são
perfeitamente naturais, como tais comportamentos encontram respaldo
genético e também evolutivo em várias espécies de animais,
especialmente mamíferos. Do ponto de vista evolutivo, poderia ajudar
tanto no controle de natalidade, quanto na proteção aos mais
desvalidos, aos órfãos e mesmo favorecer o contato entre os membros
da espécie. E, espiritualmente, qual seria a função?
As teorias
espirituais para a sexualidade fora do padrão exclusivamente
heterossexual variam muito. Encontrei muitas noções até hoje.
Algumas muito preconceituosas, outras mais abertas.
A espiritualidade
abraâmica vê a questão com preconceito, ou como algo a ser
tolerado, ou como uma alternativa ou teste de Deus, o que não faz o
menor sentido.
A espiritualidade
extremo-oriental é menos repressora, mas entre aqueles que acreditam
em reencarnação e carma, a tendência é pensar que as pessoas gays
estão pagando alguma coisa ou que não conseguem se adaptar ao corpo
em um determinado gênero após muitas reencarnações em outro
gênero. Esta opinião absurda, aliás, é muito comum no Espiritismo
brasileiro.
A nova
espiritualidade, ou também “neo-espiritualidade”, como a chamo,
e que é baseada não somente em antigos ensinamentos de diversas
fontes religiosas, mas também em conhecimentos da Ciência moderna,
da Psicologia e das Neurociências, vê a sexualidade de modo fluido
e sem preconceito. As pessoas são naturalmente bissexuais e os
fatores que as predispõem a voltar-se a um gênero ou a outro são
de várias naturezas, como já analisamos. O fato da recente divisão
em heterossexualidade e homossexualidade ter causado uma nítida
polarização da sexualidade humana, tem impedido que percebamos a
fluidez da sexualidade em si. Não se trata de cancelar sexo
biológico de ninguém, de impedir que alguém seja homem ou mulher
(ou o que quiser), de impedir que alguém se vista de modo A ou B,
mas de evitar que alguém seja impedido de vivenciar o seu ser
psicológico e profundo por completo, pois esta completude inclui seu
prazer sexual. A espiritualidade que extirpa o sexo é uma
espiritualidade morta, porque normatizadora, repressora e recalcada.
Acredito que, do
ponto de vista espiritual, estamos em evolução biológica (algo
confirmado pelos neodarwinistas a cada dia mais), psicológica (nossa
psique se amplia com o tempo) e espiritual (nossa visão da
transcendência adquire cada vez mais conceitos novos, conforme
ampliamos nosso conhecimento da Realidade). A evolução biológica é
algo quase que exclusivo da espécie, pois não se observa de modo
relevante num único indivíduo. A evolução psicológica tanto é
influenciada pela biologia, que vem da espécie, quanto das vivências
individuais (esta seria a opinião da Psicobiologia). Já, a evolução
espiritual, se processa em duas frentes: há a evolução espiritual
da espécie humana e a evolução espiritual do indivíduo humano. A
evolução espiritual da espécie pode ser analisada através da
visão sistêmica, que mostra as relações entre os constituintes de
um grupo e como todos se retroalimentam. A evolução espiritual
individual pode ser analisada por vários tipos de “teorias
espirituais” ou, como prefiro chamar “teorias espirituais da
mente”.
Minha teoria
espiritual da mente preferida é uma mescla de teoria budista da
mente e da noção de Panespiritismo, como definido pelo psicólogo
Steve Taylor em seus livros, especialmente em “Spiritual
Science: Why Science Needs Spirituality to Make Sense of the World”,
publicado em 2018 e ainda sem tradução para o Português. O
Panespiritismo se insere na neo-espiritualidade e possui um cárater
mais científico que religioso, o que interessa mais em uma época em
que se faz necessário derrubar antigos dogmas sem sentido que só
conduzem a ostracismo, preconceito e repressão.
A partir desta
visão, nossas experiências neste mundo devem nos conduzir
espontaneamente à expressão da consciência primordial a qual todos
já temos acesso, embora não a percebamos. Na verdade, temos
pequenos vislumbres dela e, assim, lhes damos vários nomes
diferentes, alguns se referindo a algo externo a nós (Deus,
Absoluto, Áiyn [O Nada, da Cabala], Brahman, etc.), outros a algo
mais interno ou permeante (Tao, Vazio, Rigpa, Consciência luminosa,
etc.).
Como existem muitos
mundos e planos de manifestação, os sexos e as divisões por gênero
variam muito nestes lugares, de modo que quem está na antiga
perspectiva polarizada macho-fêmea não consegue entender esta
complexidade cósmica. A separação em dois sexos como forma de
garantir a reprodução é, do ponto de vista universal, uma solução
local e temporária da natureza. Em outros mundos a coisa pode ser
totalmente diferente, incluindo aí a androginia, a partenogênese, a
reprodução assexuada (como ocorre com as gramíneas) e outras
formas de reprodução que nem imaginamos. Talvez a taxa de
homossexuais em nossa espécie seja um regulador. Em momentos mais
críticos, talvez diminua, em momentos mais tranquilos, pode
aumentar. Ou, em momentos de pouca população, tenda a diminuir, e
em momentos de superpopulação, como atualmente, tenda a aumentar.
Contudo, devemos ter cuidado com este argumento, pois o que impede a
reprodução não é a homossexualidade, mas a esterilidade. E, até
onde sei, a maior parte dos gays e lésbicas não é estéril!
Num nível
espiritual mais profundo, talvez a principal função daqueles
indivíduos que tendem para uma sexualidade não exclusivamente
heteronornativa seja a de fazer a humanidade evoluir para um próximo
estágio, um no qual o sexo não é mais exclusivo para reprodução,
em que não é mais visto como sujo ou como pecado, em que não é
usado como forma de domínio ou para jogos de poder, e em que,
finalmente, o direito de todos ao prazer é reconhecido. Os
recalcados que sempre tentaram taxar o prazer (com dogmas,
proibições, assassinatos ou, se pudessem, com taxas monetárias
para o sexo de cada indivíduo) continuam de pé, mas precisam ser
derrubados pela resistência. É preciso resistir ao recalque, ao
desprazer, ao moralismo e à falta de amor ao próximo. O resto faz
parte de uma antiga espiritualidade que já está em seus estertores.
Conclusão
Do
ponto de vista clínico e biológico, a
sexualidade compreende três dimensões básicas: biológica
(corresponde ao impulso
sexual determinado por processos fisiológicos e cerebrais - sistema
límbico e hormonal), psicológica
(corresponde aos desejos
eróticos subjetivos ligados à vida afetiva e sexual) e
cultural
(corresponde aos padrões
de desejos, comportamentos e fantasias sexuais, criadas e sancionadas
historicamente por diversas sociedades).
As três dimensões,
em geral, se manifestam de forma conjunta na vida sexual humana.
Contudo, incluiria uma quarta dimensão, a espiritual
(corresponde à busca pela transcendência através do contato
mais íntimo com um outro ser, seja de modo permanente ou não, mas
em que ambos os parceiros assimilam a experiência e ela contribui
para seu crescimento como indivíduos completos). Exemplos de
dimensão espiritual da sexualidade são o sexo tântrico (com uma
moralidade mais aberta) e a noção de “casamento espiritual”
(mais exclusivista e monogâmico).
No
momento em que abdicarmos de controlar a vida sexual dos nossos
irmãos de espécie, a sexualidade da espécie e a espécie como um
todo evoluirá para o próximo passo em todas estas quatro dimensões.
Quando isso acontecer, não necessitaremos
mais das velhas definições, nem das sopas de letrinhas (LGBTQXYZ…),
nem das cartilhas para saber como tratar vários tipos conceituais
novos que surgem a cada dia (infelizmente,
isso tudo ainda é necessário). Nos
relacionaremos apenas com seres humanos e como seres humanos, e
teremos prazer como seres humanos em contato – familiar, amistoso
ou mesmo sexual – uns com os outros, sempre baseados na máxima do
amor e do não causar sofrimento a ninguém.
Sobre o autor
(Paulo Stekel, palestrante e pesquisador de espiritualidade e sexualidade LGBT. Foto de Wolney Garcia)
Paulo
Stekel é ativista LGBT e especialista na temática "espiritualidade gay" e "visão espiritual da sexualidade humana". É instrutor de
Meditação Não-dualista, orientador
do Projeto Mahasandhi de Meditação Livre Não-Religiosa,
pesquisador
de Religiões e Espiritualidades, praticante
budista desde 1995 (seu
nome budista vajrayana
é Pema Dorje),
membro
do NEDEC²- Núcleo de Estudos e Desenvolvimentos em Conhecimento e
Consciência (UFSC – Florianópolis – SC). Tem
experiência na área de Linguística, com ênfase em
Paleolinguística. É escritor, tradutor, revisor, músico,
com vários álbuns lançados desde 2009.
É um pesquisador não-acadêmico, professor de Cabala Não-dualista,
Sânscrito e línguas sagradas. Especialista na interpretação dos
textos sagrados das religiões. Nasceu e cresceu em Santa Maria (RS).
Atualmente reside em
Florianópolis (SC). Proponente da Hierolinguística
(uma
nova ciência para o estudo das linguagens sagradas proposta em seu
livro “Santo & Profano - estudo etimológico das línguas
sagradas”, publicado em 2006).
Publicou diversas obras: “Elohê Israel (Os deuses de Israel) -
filosofia esotérica na Bíblia” (Independente, 2001); “Projeto
Aurora - retorno à linguagem da consciência” (FEEU, 2003); “Santo
e Profano - estudo etimológico das línguas sagradas” (GEFO,
2006); “Deuses & Demônios - verdades inauditas e mentiras
anunciadas sobre os anjos” (Independente, 2007); “Curso de Cabala
- com noções de Hebraico & Aramaico [vol. I e II]”
(Independente, 2007 e 2008); “Curso de Sânscrito - com noções de
Filosofia Indiana [vol. I e II]” (Independente, 2008 e 2009); “A
Alma da Palavra” (independente, 2011). Pesquisador aceito como
paleolinguista de formação livre na pesquisa de decifração da
escrita Glozélica (França), com trabalho científico reconhecido e
publicado em Inglês no website do Museu de Glozel
(http://www.museedeglozel.com/Trad2000.htm)
desde 2006. Pesquisador aceito como paleolinguista de formação
livre pelo arqueólogo bósnio-americano Semir Osmanagic na pesquisa
de decifração da escrita Proto-Visoko (Bósnia), com trabalho de
decifração preliminar apresentado em Sarajevo pelo egiptologista
Muris Osmanagic (2010) e publicado no website Bosnian Pyramids, em
Inglês e Bósnio:
http://icbp.ba/2008/documents/papers/ICBP_Referat_Stekel.pdf.
Contatos:
pstekel@gmail.com