Por Paulo Stekel
Advertência! Antes
de ler, sigam à risca a velha recomendação: não façam isso em
casa, crianças!!! Os relatos contidos no texto não são uma
apologia ao risco, embora ele permeie a vida humana o tempo todo e,
por vezes, devamos nos servir de métodos pouco ortodoxos para
enfrentar medos. Que cada um meça a sua loucura e siga até onde
necessário para encontrar-se neste vasto universo.
Quando tinha 13 anos,
meu medo de altura me impedia de seguir meu irmão do meio, 11 meses
mais novo que eu. Ele era meio aloucado desde novinho, e a altura não
lhe era problema. Sempre desafiou a vida, às vezes sem medir
consequências, até morrer em um incêndio, em 2012. Na época dos
meus 13 anos, íamos todos os finais de semana fazer trilhas nas
montanhas da Serra Geral em Santa Maria e Itaara (hoje uma cidade
emancipada no RS) e, não poucas vezes escalamos paredões e nos
embrenhamos na mata sem qualquer conhecimento prévio, à cata de
cachoeiras e lugares de difícil acesso, guiados apenas por nossa
intuição e paixão pela natureza.
Mas, até isso ser
possível, tive que vencer meu medo de altura. Havia um prédio em
construção na mesma quadra de casa, no centro de Santa Maria. Tinha
uns cinco andares e estava só no esqueleto, recém erguido. Então,
as bordas do último andar não possuíam qualquer contenção ou
segurança. Meu irmão invadia o prédio e se equilibrava nas bordas
sem o menor receio de cair. A autoconfiança dele parecia evocar um
poder. Resolvi testar. Mas, como bom virginiano (ele era leonino),
fui tateando cada passo, até perceber que o segredo era não olhar
para baixo com atenção na altura e também me concentrar a ponto de
sentir o prédio como parte de mim. Assim, fui até o fim do percurso
sem nenhum acidente, nem medo. Sentia a altura, o frio na barriga, o
vento e isso acabou por me dar prazer. Um misto de respeito, atração
e um medo subliminar como medida de segurança. Escaladores relatam
estas mesmas sensações, em geral. Enfrentar os medos requer um
pouco de risco, sim. Não imprudência completa, loucura ou achar que
nada vai acontecer de ruim. A realidade é dura. O mundo é
inconstante, incontrolável e impermanente.
Entre meus 13 e 18
anos, eu e meu irmão saímos quase todos os finais de semana para as
montanhas, em busca de lugares novos, desafios, paisagens lindas e um
contato maior com a natureza. Escalamos paredões de antigas
pedreiras nesta época. As pedreiras são relativamente perigosas,
por causa das pedras soltas. Mas, felizmente, nunca tivemos quedas
sérias. Meu pai só ficou sabendo do que fazíamos aos finais de
semana quando eu atingi a maioridade. Como ele mesmo disse, já que
nunca voltamos de maca para casa, estava tudo bem...
Por volta dos meus 23
anos, passei por outra experiência com altura. Estava numa situação
complicada de romance com uma pessoa que, apesar de ter uma
inteligência privilegiada (era um superdotado, com QI muito acima da
média), tinha vários problemas emocionais causados, entre outras
coisas, pela evidente homofobia do pai, que achava que poderia
impedi-lo de expressar sua orientação sexual por meios de reversão
(ele tentou até Rebirthing {Renascimento} para isso!), o que, obviamente, não
obteve sucesso.
Num momento em que o
objeto de meus sentimentos entrou numa fase meio suicida, resolvi
usar um método que minha intuição me fizera acessar em um
instante. Levei-o até o precipício do paredão que eu mesmo já
escalara várias vezes e o conduzi até a beirada. Lá, o fiz pensar
sobre o equívoco de se recorrer ao suicídio, quando a vida possui
tanto para se ver, sentir, ouvir e vivenciar. Então, disse-lhe: se
você pular, eu pulo com você e morremos os dois, pois não vou
largar o seu braço. Esta atitude fez ele pensar na existência do
outro e o quanto os pensamentos suicidas escondiam um egoísmo
angustiante. Após o insight, ele se afastou da borda e se sentou
como se tivesse tirado toneladas de sobre os ombros.
Poucos anos depois, um
amigo que também escalava comigo, mas que era muito mais jovem e
imprudente, sofreu um acidente sério numa escalada. Eu o conduzia
pelo binóculo e percebi que por determinado lado era bem mais
perigoso. O avisei, mas ele mesmo assim quis ir por ali. Sob risco, a
teimosia pode ser muito mais perigosa. Ele caiu por uns cinco a sete
metros e conseguiu se segurar em um arbusto, quase rasgando a
virilha. Como estava num ponto em que não poderia voltar, apenas
subir mais, teve que completar a subida mesmo ferido e fazer a volta
para descer. A adrenalina ajudou, pois ele aguentou até descer e,
quando chegou à minha frente e das pessoas que viam tudo de baixo,
desmaiou por alguns instantes, extenuado. Nunca mais escalou. Eu
mesmo, escalei poucas vezes depois.
Numa de minhas últimas
escaladas, fui atacado por formigas bem no meio do percurso. Onde
estava, mal podia me movimentar. Espernear, era queda na certa. Eu
sempre escalei sem equipamentos. Então, o perigo era bem maior. Ao
lado, um pessoal fazia rapel e perguntou se eu precisava de ajuda.
Disse que não. Mesmo sendo mordido por elas, entrei em processo de
meditação, algo que já tinha aprendido, e consegui suportar a dor
como nunca, até subir um pouco mais e conseguir retirar as formigas
grudas em minhas mãos e braços, já avermelhados. Respirei fundo, e
consegui. Se me apavorasse, seria o fim. Mas, nesta época, o medo de
altura não me era mais problema, e a tolerância à dor através da
respiração e meditação era uma técnica que estava testando.
Eu devia ter uns 28
anos quando fui chamado por um amigo para conversar com uma parente
de sua mulher que tentara se jogar do alto do prédio naquela manhã.
Ela devia ter uns quarenta e poucos anos, e eu perguntei o que teria
a dizer a alguém bem mais velha, professora, diretora de escola, com
mestrado, etc. Ele disse que apenas sentia intuitivamente que eu
poderia dizer alguma coisa que a fizesse recobrar a sanidade. Ela
tentara jogar-se do alto do prédio e, na hora derradeira, a
empregada da casa a agarrou pelas pernas e impediu que ela morresse.
Ou seja, ela realmente estava se suicidando! Desde então, ela não
deixou mais ninguém entrar no quarto, nem um psiquiatra. Pensei que
não teria a menor chance de entrar e lhe falar.
Quando a porta se
abriu, e ela viu aquele rapaz de 28 anos com cara de 18, nada
ameaçador, resolveu aceitar conversar comigo. Sentei com ela e
conversamos por uma hora sobre crenças, religião, Deus, Buda, ela
me falou da vida de casada, da escola. Seu marido tinha amantes e
gastava muito dinheiro com elas. Quando ela pediu a separação, ele
ameaçou lhe tirar a filha e fez várias chantagens, tornando a vida
desta mulher um inferno. Ela surtou.
Depois de ouvir o
relato atentamente, lhe perguntei: o que você sentiu quando se
atirou pela janela hoje pela manhã? Não teve uma sensação de
liberdade? De desapego total? Sim, pois, para se matar, uma pessoa
abdica de tudo, dos problemas, das pessoas odiadas, das amadas, e até
da própria vida e da noção do eu.
Ela concordou comigo.
Sentira tudo isso. Então, lhe desafiei: se você se desapegou de
tudo quando se atirou, por que deveria pegar tudo de volta agora?
Como assim?, ela
perguntou.
Simples, respondi. Se
você se desapegou de tudo, de seu marido, da filha e do seu
trabalho, que eram fontes de estresse, mesmo não tento morrido,
porque a empregada a salvou, por que você teria que pegar isso tudo
de volta com todo o seu peso? Mantenha-se sem o peso do apego. Mude o
inferno de lugar!!! Ou se atire por esta janela novamente – abri a
janela e lhe dei a opção.
Ela teve o insight, e
não se atirou, pois entendeu o poder que tinha dentro de si. Ela
tinha se permitido fragilizar, e tinha a opção de se fortalecer.
Enfrentou o marido com unhas e dentes, se separou, ficou com a guarda
da filha, voltou a trabalhar na escola e começou a estudar a
espiritualidade. Um ano depois, me ligou para agradecer a ajuda e
dizer que tinha se tornado uma outra pessoa. Lera livros, começara a
fazer cursos de Reiki, terapias, etc., e estava vendo a vida de uma
outra forma. Vencera o medo de viver.
Vencer os medos requer
assumir riscos. E, riscos, não podem ser cem por cento controlados.
São como cirurgias. Por mais simples que sejam, sempre há um risco.
Há risco em viver, risco em amar, risco em atravessar a rua, risco
em interagir com o outro. Enfim, a vida é um risco e todos nós, que
ainda estamos vivos, somos, de alguma forma, heróis.
Meu desafio mais
recente foi aprender a nadar. Passei 44 anos de minha vida sem o
saber. Escalava paredões, mas não nadava. Meu falecido irmão era
um exímio nadador. Fiz natação por um ano e resolvi este medo de
não sentir os pés na areia quando mergulhava. O elemento que me
faltava foi integrado a meu ser... Moro numa ilha mágica –
Florianópolis – e tenho uma mescla do que já vivenciei ao longo
da vida: montanhas, rios, altura, praia e muita meditação.
Ao nos vermos à beira
dos precipícios da vida, este é o momento exato em que devemos
perder os medos, enfrentá-los, e bem ao estilo “se der medo, vai
com medo mesmo”. Sem o reconhecimento dos próprios limites, o ego
não se libera e não é possível que brote a coragem, a energia
necessária para o ato de libertação. Nossos medos, quando vistos
como propulsores, podem nos conduzir a grandes realizações. Foi a
lição que aprendi até aqui, enfrentando meus próprios medos à
beira dos meus precipícios. Permita-se apreciar seus precipícios e
contemplá-los como paisagens deslumbrantes. Sentir o cheiro de
liberdade é algo muito precioso. Vencer o medo é um modo de
iluminação.
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