sexta-feira, 28 de junho de 2019

Meditação, Mindfulness e Não-dualismo: uma reflexão

Por Paulo Stekel


O objetivo deste texto é fazer uma rápida reflexão sobre os vários aspectos do que se chama meditação no Ocidente. No Oriente, há vários termos relacionados à mente, à consciência e ao cultivo de diversos estados de tranquilidade, permanência e acesso a níveis mais profundos da mente. São diversos termos em línguas como o sânscrito, o páli e o tibetano. Mas, em geral, o Ocidente utiliza para todas estas técnicas o nome “meditação”. E como existem inúmeras escolas tradicionais que se valem da meditação, não é fácil saber de que tipo de meditação se está falando.

Métodos tradicionais em meio a escândalos

A Índia atual não está menos imune à fraude espiritual que o mundo ocidental. A falcatrua anda sendo globalizada a passos largos. O mundo de Gandhi é assolado por gurus aproveitadores, abusadores e que não possuem o conhecimento e sabedoria que declaram ter. Muitos agem da mesma forma que certos pastores evangélicos no Brasil: se valem da espiritualidade simplesmente para enganar as pessoas e lhes tirar dinheiro. Não citarei nomes porque, muitos casos são sujeitos à mera opinião e outros, mais graves, ainda estão sob investigação judicial. Mas, como onde há fumaça, há fogo, é válido desconfiar de que há algo muito podre do reino de Krishna, de Buda e de Mahadeva.

Há décadas que vejo chegar ao Brasil um sem-número de novos gurus e seus discípulos propondo técnicas de meditação. Os que aparecem representando as incontáveis tradições de Yoga da Índia sempre vendem o seu produto como a técnica derradeira. Há até professores de Yoga do Brasil (que também têm sido acusados de abuso de discípulos) que criaram sistemas pedantes, querendo se adonar do Yoga e até patentear o mantra OM! (sério)

No meio budista não é diferente. Apesar de ser um meio considerado mais sério pelo público em geral, há muitos mestres que só detêm o título, mas são tão indignos quanto os gurus do “ioguismo” não-budista. Se incluirmos aí os tântricos, budistas ou não-budistas, então a polêmica pega fogo. O tantrismo, tradicionalmente a linha meditativa mais incompreendida na própria Índia, que já é complexo e perigoso se praticado sem as ressalvas e os preparos devidos, acaba sendo o deflagrador de muitas polêmicas atuais. E, podemos nos arriscar a dizer, nem é pelo sexo, mas por outro princípio tão forte quanto este: a importância do mestre, o guru. Esta doutrina é chamada de “guru ioga”, a “união com o mestre” ou “através” do mestre, como podemos definir a grosso modo. Parece-nos que esta doutrina tem sofrido muitos excessos e incompreensões motivadas pelo materialismo espiritual (termo cunhado pelo lama tibetano Chögyam Trungpa) dos próprios gurus, que se beneficiam material, emocional e sexualmente desta autoridade. A sabedoria parece ter ficado em segundo plano. Bons exemplos são as denúncias feitas por um grande número de discípulos contra mestres como Sogyal Rinpoche, Mipham Rinpoche, Somartana (condenado a 7 anos de prisão) e Shi Xuecheng. Mas, o Buda condenaria estes abusos severamente (como leitura complementar sobre a visão budista do sexo, recomendo o grupo de artigos no site Olhar Budistaclique aqui).

Sogyal Rinpoche, lama do budismo tibetano acusado de abusos sexuais

O fato é que as religiões formais, instituídas, tanto as teístas (Cristianismo, Islamismo, etc.) quanto as não-teístas (budismo, jainismo, taoismo), estão em decadência. Diante disso, vocês poderiam perguntar como isso pode ser verdade, se o interesse pela espiritualidade nunca esteve tão presente. Sim, pela espiritualidade, inclusive em temas relacionados às religiões citadas. Mas, o interesse em seguir tais religiões formalmente tem diminuído rapidamente. Por isso, usamos a expressão “nova espiritualidade” e “novo dharma” para nos referir a esta tendência. As pessoas querem saber sobre o conhecimento espiritual e religioso, mas não estão dispostas a ser mais as ovelhinhas caladas e abusadas que foram durante séculos. E, isso é muito bom!

O próprio Dalai Lama, em diversas ocasiões, falou que a ética é mais importante que a religião, e sugere que as religiões sejam deixadas de lado e se concentre esforços em ensinamentos sobre a ética, que parece ser algo universal.

A Plena Atenção não-religiosa

Nesta perspectiva, também têm surgido opções de meditação num contexto secular ou minimamente religioso. Podemos citar a técnica de mindfulness (atenção plena ou consciência plena) como desenvolvida pelo Dr. Jon Kabat-Zinn, médico dos EUA que descobriu como integrar os seus conhecimentos budistas (do zen e do Theravada) e a prática de yoga na ciência médica ocidental. Ainda que o que ele desenvolveu seja muito criticado pelos budistas puristas arraigados à tradição, o movimento de plena atenção que ele incitou tem produzido muitos benefícios à saúde das pessoas.

Dr. Jon Kabat-Zinn, divulgador da técnica meditativa de Mindfulness

O fato do Dr. Kabat-Zinn não apresentar a meditação num contexto religioso, permite que a técnica seja acessível a qualquer um que sofra de stress, independentemente de cultura, religião ou crença, no sentido de reduzir os níveis de stress o máximo possível. Por isso, o mindfulness tem se tornado popular em clínicas norte-americanas.

Apesar da antiguidade de cerca de 5 mil anos da meditação de atenção plena (mindfulness), foi apenas a partir da década de 1950 que métodos meditativos começaram a ser estudados a sério por clínicos ocidentais. Faz pouco que tais métodos passaram a ser introduzidos no sistema de tratamento clínico e psicológico na Europa e EUA. No Brasil, isso ainda engatinha, mas é questão de tempo.

Meditação que não é meditação: o não-dualismo

Em meio a este quadro, tem se tornado popular no mundo e, mais recentemente, no Brasil, um tipo de ensinamento sobre meditação que, paradoxalmente, é chamado de “não-meditação” ou, mais corretamente, de “além da meditação”. O que causa muita confusão nos meios meditativos é exatamente o não entendimento do sentido que é dado à expressão “não-meditação”. Tradições com nomes estranhos como advaita vedanta, neoadvaita, Dzogchen, neodzogchen, mahamudra e lamdre são realmente complexas para Ocidentais. Mesmo porque, seus ensinamentos estão numa linguagem milenar não atualizada, com exemplos orientais pouco conectados com o que os ocidentais estão acostumados.

Mas, isso pode ser corrigido. Quando dizemos isso, os puristas “piram”, como se diz popularmente, mas este é o único caminho para que tais ensinamentos sobrevivam como práticas espirituais. Por que devem sobreviver? Porque possuem algo valioso para a humanidade: a ideia de que vivemos de um modo dual, desconectado, fragmentado, em extremos. Fragmentamos o eu e o outro, o corpo e a mente, o material e o espiritual, o bem e o mal, a vida e a morte. Isso tudo causa muito sofrimento. Na verdade, nossa mente original é não-fragmentada, não-dual, sem extremos, ampla, clara, potencialmente sábia, eterna, nunca nasce e nunca morre, não é um “espírito” (no sentido ocidental de um espírito como o contrário de um corpo, seu outro extremo), não é uma “alma eterna” (no sentido de uma alma, que na Índia inclui a noção de personalidade, um conceito moderno que não existia na época do Buda) e está além das noções, incluindo a de bem e mal. Ela não está sujeita aos pares de opostos. Isso é não-dualismo.

Peter Fenner PhD, um instrutor de Dzogchen num contexto não-religioso

Em meditação, o não-dualismo implica em afirmar que quaisquer técnicas meditativas que reforcem o dualismo não são adequadas para libertar o ser da noção de que ele sofre, de que é infeliz e de que nada vale a pena. O não-dualismo ensina que tudo já está aqui e, exatamente como deve ser: perfeito, pleno e espontâneo. Não perceber isso é querer colocar mais alguma coisa em algo que não precisa de nada. O fracasso é óbvio.

Escolhas

Para finalizar, se você deseja se envolver com meditação, precisa decidir inicialmente, embora possa mudar ao longo do caminho, que tipo tem mais a ver com suas inclinações.

Se deseja tentar a meditação formal em estágios, aquela do yoga clássico, do budismo e do tantrismo, tudo bem. É o que chamamos de método gradualista, pois se vai avançando em estágios até o que se considera a libertação do ser das amarras de samsara, o ciclo de sofrimento, doença, miséria, velhice, morte e renascimento. Em geral, esta primeira opção é cheia de aspectos religiosos e requer uma adesão forte ao mestre (como no guru yoga), o que pode incomodar a muitos.

Se deseja algo mais secular, o mindfulness pode ser ideal. Contudo, a diferença é que métodos como o do Dr. Kabat-Zinn não estão preocupados em levar as pessoas até o estado de “iluminação”, mas apenas a um estado de mais saúde e paz mental, o que já é bom, com certeza.

Se nenhuma das opções parece ser adequada, o ideal é o não-dualismo. Mas, como há escolas não-dualistas em contextos religiosos (como o Dzogchen, no budismo tibetano), se isso não lhe interessa, o ideal é buscar as versões não religiosas mais abertas, que eliminam o excesso de culturalismo religioso do ensinamento e não levam o guru yoga como uma bandeira para prender as pessoas a seus instrutores. Exemplos de instrutores (neo)Dzogchen que não são religiosos: Peter Fenner e Jackson Peterson.

Jackson Peterson, instrutor de Dzogchen e Mahamudra em contexto não-religioso

Na dúvida, pesquise, leia bastante, converse, até saber do que se trata aquilo no qual está se envolvendo. Nem tudo é a mesma coisa, nem tudo serve para o mesmo objetivo e nem tem o mesmo sabor. Discernimento é crucial aqui.

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