Por Paulo
Stekel
O objetivo deste
texto é fazer uma rápida reflexão sobre os vários aspectos do que
se chama meditação no Ocidente. No Oriente, há vários termos
relacionados à mente, à consciência e ao cultivo de diversos
estados de tranquilidade, permanência e acesso a níveis mais
profundos da mente. São diversos termos em línguas como o
sânscrito, o páli e o tibetano. Mas, em geral, o Ocidente utiliza
para todas estas técnicas o nome “meditação”. E como existem
inúmeras escolas tradicionais que se valem da meditação, não é
fácil saber de que tipo de meditação se está falando.
Métodos
tradicionais em meio a escândalos
A Índia atual não
está menos imune à fraude espiritual que o mundo ocidental. A
falcatrua anda sendo globalizada a passos largos. O mundo de Gandhi é
assolado por gurus aproveitadores, abusadores e que não possuem o
conhecimento e sabedoria que declaram ter. Muitos agem da mesma forma
que certos pastores evangélicos no Brasil: se valem da
espiritualidade simplesmente para enganar as pessoas e lhes tirar
dinheiro. Não citarei nomes porque, muitos casos são sujeitos à
mera opinião e outros, mais graves, ainda estão sob investigação
judicial. Mas, como onde há fumaça, há fogo, é válido desconfiar
de que há algo muito podre do reino de Krishna, de Buda e de
Mahadeva.
Há décadas que
vejo chegar ao Brasil um sem-número de novos gurus e seus discípulos
propondo técnicas de meditação. Os que aparecem representando as
incontáveis tradições de Yoga da Índia sempre vendem o seu
produto como a técnica derradeira. Há até professores de Yoga do
Brasil (que também têm sido acusados de abuso de discípulos) que
criaram sistemas pedantes, querendo se adonar do Yoga e até
patentear o mantra OM! (sério)
No meio budista não
é diferente. Apesar de ser um meio considerado mais sério pelo
público em geral, há muitos mestres que só detêm o título, mas
são tão indignos quanto os gurus do “ioguismo” não-budista. Se
incluirmos aí os tântricos, budistas ou não-budistas, então a
polêmica pega fogo. O tantrismo, tradicionalmente a linha meditativa
mais incompreendida na própria Índia, que já é complexo e
perigoso se praticado sem as ressalvas e os preparos devidos, acaba
sendo o deflagrador de muitas polêmicas atuais. E, podemos nos
arriscar a dizer, nem é pelo sexo, mas por outro princípio tão
forte quanto este: a importância do mestre, o guru. Esta doutrina é
chamada de “guru ioga”, a “união com o mestre” ou “através”
do mestre, como podemos definir a grosso modo. Parece-nos que esta
doutrina tem sofrido muitos excessos e incompreensões motivadas pelo
materialismo espiritual (termo cunhado pelo lama tibetano Chögyam
Trungpa) dos próprios gurus, que se beneficiam material, emocional e
sexualmente desta autoridade. A sabedoria parece ter ficado em
segundo plano. Bons exemplos são as denúncias feitas por um grande
número de discípulos contra mestres como Sogyal Rinpoche, Mipham
Rinpoche, Somartana (condenado a 7 anos de prisão) e Shi Xuecheng.
Mas, o Buda condenaria estes abusos severamente (como leitura
complementar sobre a visão budista do sexo, recomendo o grupo de
artigos no site Olhar Budista – clique aqui).
Sogyal Rinpoche,
lama do budismo tibetano acusado de abusos sexuais
O fato é que as
religiões formais, instituídas, tanto as teístas (Cristianismo,
Islamismo, etc.) quanto as não-teístas (budismo, jainismo,
taoismo), estão em decadência. Diante disso, vocês poderiam
perguntar como isso pode ser verdade, se o interesse pela
espiritualidade nunca esteve tão presente. Sim, pela
espiritualidade, inclusive em temas relacionados às religiões
citadas. Mas, o interesse em seguir tais religiões formalmente tem
diminuído rapidamente. Por isso, usamos a expressão “nova
espiritualidade” e “novo dharma” para nos referir a esta
tendência. As pessoas querem saber sobre o conhecimento espiritual e
religioso, mas não estão dispostas a ser mais as ovelhinhas caladas
e abusadas que foram durante séculos. E, isso é muito bom!
O próprio Dalai
Lama, em diversas ocasiões, falou que a ética é mais importante
que a religião, e sugere que as religiões sejam deixadas de lado e
se concentre esforços em ensinamentos sobre a ética, que parece ser
algo universal.
A Plena Atenção
não-religiosa
Nesta perspectiva,
também têm surgido opções de meditação num contexto secular ou
minimamente religioso. Podemos citar a técnica de mindfulness
(atenção plena ou consciência plena) como desenvolvida pelo Dr.
Jon Kabat-Zinn, médico dos EUA que descobriu como integrar os seus
conhecimentos budistas (do zen e do Theravada) e a prática de yoga
na ciência médica ocidental. Ainda que o que ele desenvolveu seja
muito criticado pelos budistas puristas arraigados à tradição, o
movimento de plena atenção que ele incitou tem produzido muitos
benefícios à saúde das pessoas.
Dr. Jon Kabat-Zinn,
divulgador da técnica meditativa de Mindfulness
O fato do Dr.
Kabat-Zinn não apresentar a meditação num contexto religioso,
permite que a técnica seja acessível a qualquer um que sofra de
stress, independentemente de cultura, religião ou crença, no
sentido de reduzir os níveis de stress o máximo possível. Por
isso, o mindfulness tem se tornado popular em clínicas
norte-americanas.
Apesar da
antiguidade de cerca de 5 mil anos da meditação de atenção plena
(mindfulness), foi apenas a partir da década de 1950 que métodos
meditativos começaram a ser estudados a sério por clínicos
ocidentais. Faz pouco que tais métodos passaram a ser introduzidos
no sistema de tratamento clínico e psicológico na Europa e EUA. No
Brasil, isso ainda engatinha, mas é questão de tempo.
Meditação que
não é meditação: o não-dualismo
Em meio a este
quadro, tem se tornado popular no mundo e, mais recentemente, no
Brasil, um tipo de ensinamento sobre meditação que, paradoxalmente,
é chamado de “não-meditação” ou, mais corretamente, de “além
da meditação”. O que causa muita confusão nos meios meditativos
é exatamente o não entendimento do sentido que é dado à expressão
“não-meditação”. Tradições com nomes estranhos como advaita
vedanta, neoadvaita, Dzogchen, neodzogchen, mahamudra e lamdre são
realmente complexas para Ocidentais. Mesmo porque, seus ensinamentos
estão numa linguagem milenar não atualizada, com exemplos orientais
pouco conectados com o que os ocidentais estão acostumados.
Mas, isso pode ser
corrigido. Quando dizemos isso, os puristas “piram”, como se diz
popularmente, mas este é o único caminho para que tais ensinamentos
sobrevivam como práticas espirituais. Por que devem sobreviver?
Porque possuem algo valioso para a humanidade: a ideia de que vivemos
de um modo dual, desconectado, fragmentado, em extremos. Fragmentamos
o eu e o outro, o corpo e a mente, o material e o espiritual, o bem e
o mal, a vida e a morte. Isso tudo causa muito sofrimento. Na
verdade, nossa mente original é não-fragmentada, não-dual, sem
extremos, ampla, clara, potencialmente sábia, eterna, nunca nasce e
nunca morre, não é um “espírito” (no sentido ocidental de um
espírito como o contrário de um corpo, seu outro extremo), não é
uma “alma eterna” (no sentido de uma alma, que na Índia inclui a
noção de personalidade, um conceito moderno que não existia na
época do Buda) e está além das noções, incluindo a de bem e mal.
Ela não está sujeita aos pares de opostos. Isso é não-dualismo.
Peter Fenner PhD, um
instrutor de Dzogchen num contexto não-religioso
Em meditação, o
não-dualismo implica em afirmar que quaisquer técnicas meditativas
que reforcem o dualismo não são adequadas para libertar o ser da
noção de que ele sofre, de que é infeliz e de que nada vale a
pena. O não-dualismo ensina que tudo já está aqui e, exatamente
como deve ser: perfeito, pleno e espontâneo. Não perceber isso é
querer colocar mais alguma coisa em algo que não precisa de nada. O
fracasso é óbvio.
Escolhas
Para finalizar, se
você deseja se envolver com meditação, precisa decidir
inicialmente, embora possa mudar ao longo do caminho, que tipo tem
mais a ver com suas inclinações.
Se deseja tentar a
meditação formal em estágios, aquela do yoga clássico, do budismo
e do tantrismo, tudo bem. É o que chamamos de método gradualista,
pois se vai avançando em estágios até o que se considera a
libertação do ser das amarras de samsara, o ciclo de
sofrimento, doença, miséria, velhice, morte e renascimento. Em
geral, esta primeira opção é cheia de aspectos religiosos e requer
uma adesão forte ao mestre (como no guru yoga), o que pode incomodar
a muitos.
Se deseja algo mais
secular, o mindfulness pode ser ideal. Contudo, a diferença é que
métodos como o do Dr. Kabat-Zinn não estão preocupados em levar as
pessoas até o estado de “iluminação”, mas apenas a um estado
de mais saúde e paz mental, o que já é bom, com certeza.
Se nenhuma das
opções parece ser adequada, o ideal é o não-dualismo. Mas, como
há escolas não-dualistas em contextos religiosos (como o Dzogchen,
no budismo tibetano), se isso não lhe interessa, o ideal é buscar
as versões não religiosas mais abertas, que eliminam o excesso de
culturalismo religioso do ensinamento e não levam o guru yoga como
uma bandeira para prender as pessoas a seus instrutores. Exemplos de
instrutores (neo)Dzogchen que não são religiosos: Peter Fenner e
Jackson Peterson.
Jackson Peterson,
instrutor de Dzogchen e Mahamudra em contexto não-religioso
Na dúvida,
pesquise, leia bastante, converse, até saber do que se trata aquilo
no qual está se envolvendo. Nem tudo é a mesma coisa, nem tudo
serve para o mesmo objetivo e nem tem o mesmo sabor. Discernimento é
crucial aqui.
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