quarta-feira, 17 de julho de 2019

Canalização e Consciência de Campo


Por Paulo Stekel


Uma questão de frequências

Nós, humanos, podemos captar em nossa consciência comum um certo espectro de frequências onde fluem outras consciências, sejam humanas ou não, desencarnadas ou não. O fenômeno que chamamos de mediunidade ou canalização é uma ampliação deste espectro no tocante à percepção consciente das energias que o habitam.

De fato, há um século, nos referíamos com o termo “espírito” ao que hoje se acostumou a chamar no Brasil de “entidade” e, no mundo da nova espiritualidade, de “energia”, “consciência” ou “mônada”, dependendo do caso. O termo “espírito” traz em sua etimologia a noção de “sopro, vento”. “Entidade” traz a noção de um ser, uma unidade de vida. Mas, o termo “consciência” talvez seja o mais adequado atualmente, pois traz a noção de um ser (encarnado ou não, com corpo ou não) que possui a propriedade da autorreferência, de se perceber como “alguém” no Universo, independente de ter um corpo físico ou não, de um dia ter sido “encarnado” ou não.

A Consciência de Campo

A partir das pesquisas do cientista britânico Rupert Sheldrake, na década de 1980, o conceito de “campo mórfico” ou “morfogenético” se somou ao antigo conceito de “Campo” usado em Física, incluindo-lhe um aspecto biológico e de consciência.

Em Física, um “campo” é uma grandeza física associada ao espaço, onde o valor que pode ser medido da sua intensidade se designa intensidade do campo e define-se classicamente como a força por unidade de carga. Assim, campo representa o módulo da força que atua sobre a unidade de carga em cada ponto do espaço.

Usando esta definição, um “campo de consciência” poderia ser teorizado como sendo uma grandeza de autopercepção relativa podendo chegar à completa autorreferência associado ao espaço mental do qual participam várias consciências em vários níveis, planos ou dimensões. Este campo teria uma intensidade, uma força de ação de consciência, podendo influenciar e ser influenciado por consciências de qualquer tipo e origem.

Baseando-nos no que dizem diversos especialistas em consciência, espiritualistas ou não, a consciência funciona em duas frentes ou campos:

a) Um campo pessoal ou individual de consciência, restrito ao corpo físico, mente, emoções e psique do próprio indivíduo;

b) Um campo coletivo de consciência, envolvendo a ação de vários campos pessoais em modo integrado, conectado e pareado, de modo que uns influenciam os demais. Este conceito é importante tanto em morfogenética de Sheldrake, quanto em mediunidade e canalização, quanto na terapia breve chamada “Constelação Familiar”, criada pelo alemão Bert Hellinger.

Um Universo de Consciências

Nesta nova percepção, entendemos o universo como sendo pleno de “consciências” de todos os tipos habitando planetas, dimensões e universos paralelos, cada tipo com suas especificidades, seus campos de influência e a maior parte destes tipos não sendo sequer compreendido minimamente por nós, por nem sabermos de sua existência e nem os podermos localizar no espaço multidimensional.

Então, quando canalizamos, é possível que estejamos a contatar vários tipos de consciências. Algumas podem, sim, ter habitado nosso planeta, recentemente ou há muito tempo. Podem ser consciências que um dia habitaram corpos de ancestrais nossos (os falecidos). Podem ser consciências elevadas (espíritos de luz). Podem ser consciências de outros planetas, de outros planos e de universos paralelos (os chamados “seres cósmicos” ou “consciências cósmicas”). Algumas podem nos beneficiar, outras serem neutras e outras até nos prejudicar, obsedar, como dizem os espíritas.

Outras podem ser formas-pensamentos geradas pelo médium/canalizador ou por pessoas que ele atende, e que se manifestam como se fossem “entidades”. Podem ser vibrações sentidas pelo médium/canalizador que ele interpreta como sendo “entidades”, mas que são apenas padrões energéticos captados a partir da aura de uma pessoa que é atendida ou de alguém presente. Pode ainda ser uma egrégora pertencente a um determinado grupo, sendo uma egrégora uma forma-pensamento coletiva que, no astral, adquire “vida” e pode existir por milhares de anos, se comportando ao ser sintonizada por um psíquico como se fosse uma “consciência/entidade/espírito”.

Quanto à possibilidade de uma “consciência” ser um insight nosso de elevado nível de consciência, isso tem a ver com a sintonização de nosso Eu Superior, um aspecto nosso que inclui uma mente transracional, um aspecto intuicional e um nível consciencial em que o conhecimento cósmico simplesmente brota sem ter sido aprendido. Neste caso, que é raro, mas acontece, o canalizador acessa seu próprio Eu Superior como se fosse uma “entidade”, atribui um nome a ela e transmite as mensagens. No final, é uma “consciência” no sentido que definimos até aqui, mas especificamente uma “consciência mais elevada” de si mesmo. Seu Eu num nível mais elevado, não racional, mas transracional (além do racional). Como saber qual destas opções se manifesta, depende de observar e estudar o caso específico. Devemos entender que o que se canaliza depende de dois fatores, um externo e um interno.

O fator externo tem a ver com a estrutura coletiva da prática mediúnica ou de canalização (sessão espírita kardecista, linha de Ramatís, Umbanda, apometria, cultos afro-brasileiros, etc.), que é a que determina a “roupagem” que as consciências sintonizadas vão adotar. Esta roupagem é uma limitação, sim, mas é algo útil para a manifestação psíquica e permite que a mensagem seja comunicada. Esta manifestação de roupagem muda com o tempo e não pode ser contida, pois a natureza do universo é evolutiva.

O fator interno tem a ver com a estrutura individual da prática mediúnica ou de canalização, o que significa dizer que é a forma interna real como acontece na ou através da mente do médium/canal antes do encaixe em qualquer “roupagem” externa. Esta é a parte que mais nos interessa, pois vai além das roupagens das religiões e doutrinas envolvidas nestes fenômenos.

Jackson Peterson, praticante e instrutor de Dozgchen dos EUA, num artigo postado no Stekelblogue (https://stekelblogue.blogspot.com/2019/07/a-visao-xamanica-da-possessao-e-do.html), intitulado “A Visão Xamânica da Possessão e do Exorcismo”, descreveu o que parece acontecer no caso das chamadas “possessões” (ou obsessões, como se trata em Espiritismo e Apometria – ver nota):

Quando essas entidades estão conectadas ao canal central em torno dos cinco órgãos sensoriais no chacra do cérebro e da coroa, pode-se ouvir seus pensamentos telepaticamente. Às vezes eles podem ser uma voz muito crítica na cabeça, uma oferenda de todos os tipos de comentários que causam distração ou comentários sexuais sobre pessoas vistas na vida. Eles também podem compartilhar imagens mentais de cenas ou cenários muito estranhos. O efeito é deixar o praticante se perguntando de onde vieram esses pensamentos ou imagens muito estranhos.

Pior de tudo, eles podem impor suas energias emocionais negativas e pensamentos correspondentes à sua consciência, de tal modo que não se pode diferenciar o sofrimento e pensamentos negativos deles dos seus. A identidade deles se funde com a sua temporariamente.

Uma boa maneira de ver se você tem alguma dessas entidades é se privar do sono por um longo período e perceber o que você vê quando vai dormir pela primeira vez. Você pode ver algumas imagens muito estranhas e pensamentos bizarros; isso é porque o campo de energia que separa a consciência deles da sua se desfaz, e as paredes de fogo que separam todas as entidades se dilui.”

A descrição lembra muito o que pessoas que padecem das chamadas “obsessões” relatam. Na verdade, são atacadas em seus campos individuais através do campo coletivo, que é um campo cármico, relacionado a um grupo de consciências próximas e sensíveis umas às outras – neste sentido, o campo familiar seria um campo coletivo desta natureza, mas um grupo qualquer de pessoas, formal ou não, unidas por afinidade também.

Nota – Apometria: Do grego apo ("além de") e metron ("medida") é um conjunto de práticas com objetivo de cura que afirma que o processo consiste numa projeção da consciência que permite o transporte de uma parte do corpo para o mundo astral, onde médicos desencarnados imateriais realizam o tratamento. A prática foi introduzida no Brasil pelo farmacêutico porto-riquenho Luiz Rodrigues, que a chamava de Hipnometria, e utilizava técnicas próprias para obter o suposto desdobramento anímico controlado. Na década de 1960, foi sistematizada pelo médico-cirurgião geral e ginecologista José Lacerda de Azevedo (1919-1997), no Hospital Espírita de Porto Alegre, que lhe renomeou apometria.

Consciência e Identidade

No referido artigo, Peterson diz que “a maioria dos seres humanos é mentalmente uma composição dessas entidades, todas em competição por serem a entidade ‘controladora’” e que é isso que torna nossas personalidades tão diversas e imprevisíveis”. Para ele: É também a fonte de nossos muitos impulsos de competição que tentam guiar nossas vidas em certas direções, mas muitas vezes conflitantes. Os pensamentos realmente maus, malignos ou suicidas pertencem a esses parasitas e parecem como se fossem seus até serem diferenciados.”

Aqui, Peterson declara a principal causa dos efeitos negativos das possessões, obsessões e influências de consciências invisíveis: a identificação com os pensamentos delas, o tomar seus pensamentos como se fossem os da própria pessoa. Isso cria um emaranhamento cognitivo terrível e uma confusão na consciência.

No campo original de consciência, também chamado de “campo indiferenciado de consciência”, existe consciência, existe percepção, mas não existem pensamentos linguísticos nem um “eu” de referência. Quando estas ondas de consciência atingem a parte cerebral ou o sistema de interpretação neural de alguém, a consciência se liga a um “eu” impermanente, temporário, e então ocorre a identificação. Se nos identificarmos com a consciência de outro ser, vai haver confusão e este estado é o que, comumente, se chama de possessão e obsessão.

Conforme Peterson: O problema é devido à proximidade deles; você se identificou com eles. Os pensamentos deles parecem tão seus, e você nem sequer questiona isso. Você não tem uma identidade ‘eu’, apenas eles têm. Através de simplesmente permanecer na não-meditação clara e desperta, a presença, os pensamentos, as imagens e estados emocionais deles se tornarão evidentes. Ao serem claramente reconhecidos como NÃO sendo você, eles se dissociam e geralmente vão embora ou se afastam junto com qualquer mente negativa ou estados emocionais. A mudança súbita e o alívio de uma mente negativa ou estado emocional é imediato e maravilhoso. Então você pode controlá-los por sua intenção. Eles são muito fracos e irão obedecer. Foi assim que Padmasambava ‘subjugou’ as divindades espirituais que estavam bloqueando sua exposição do Darma no Tibete.”

Neste caso, podemos lembrar até dos trechos do Novo Testamento em que Jesus comandava os demônios que possuíam as pessoas que ele curou. Sob uma voz de comando firme, tais seres deixavam de perturbar e se retiravam.

Nas obsessões, estas consciências de diversas naturezas se aproximam, marcam território e, com o tempo, ocorre um “emaranhamento” (como o emaranhamento ou entrelaçamento quântico) com a consciência da pessoa, de modo que, ora é ela mesma que fala, ora é a tal “consciência intrusa”, ora ambas, até o estado de completa insanidade.

Contudo, para encerrar, é bom esclarecer que nem tudo é obsessão. Há uma tendência em grupos espirituais em geral, não apenas de Apometria, de atribuir tudo a obsessões. Isto é uma irresponsabilidade e traz um risco enorme para pessoas que precisariam, sim, de tratamento mais específicos, incluindo os psiquiátricos, psicológicos e terapêuticos convencionais. Na verdade, tratamentos espirituais, sejam os proporcionados por passe espírita, umbandista, por apometria, canalização ou o que os valha, devem ser feitos complementarmente a tratamentos médicos, proporcionalmente à gravidade do quadro mental apresentado e conforme laudos médicos. Esta é uma forma responsável de fazer o trabalho.

Canalização de Campo

Nesta linha, uma prática muito útil é o que chamamos de “canalização de campo”, que é o escaneamento de saúde de uma pessoa feita por vários canalizadores ao mesmo tempo, não só acessando o campo individual do paciente quanto gerando um firme campo coletivo de canais em torno dela.

Isso permite uma observação das condições do paciente por várias consciências. Só é considerado válido para o diagnóstico o que é confirmado pela maioria dos canalizadores. Enquanto isso, o paciente vai confirmando o que os canais informam e, uma vez definido o seu quadro, ficará mais fácil determinar o modelo do tratamento espiritual a ser aplicado e a real necessidade de uma opinião médica, no caso do paciente ainda não ter tido qualquer busca pela medicina convencional.

É importante trabalhar nas duas frentes para o benefício geral do paciente. Não se pode admitir trabalhos espirituais que desdenhem os cuidados médicos convencionais, pois tal atitude põe em risco os pacientes, sendo uma contradição ao compromisso espiritual de promover a cura e a autocura nos indivíduos que sofrem de qualquer mal. O ideal é se ter acesso aos laudos médicos existentes, para evitar amadorismo, e no caso da pessoa ainda não ter procurado ajuda médica, incentivá-la a fazê-lo, para sua própria segurança.

A Visão Xamânica da Possessão e do Exorcismo

Por Jackson Peterson (tradução de Marcos Paulo Sousa)


É interessante como todas as tradições espirituais esotéricas descrevem como demônios, espíritos astrais, seres desencarnados e várias entidades podem entrar ou influenciar nossa saúde física, mental e espiritual. 50% da medicina tradicional tibetana lida com tais fenômenos, especialmente quando se supõe que o paciente tenha ofendido algum espírito ou força espiritual que governa a terra, corpos de água, animais ou plantas. Tem-se então que remediar a "ofensa".

A tradição xamânica Bön é rica destas noções de possessão demoníaca ou outras possessões espirituais mais benignas. Eles também oferecem muitos rituais para exorcizar essas entidades do nosso corpo e campo etéreo. Os transes de canalização também são usados por vários motivos.
Todos os povos tribais primitivos em todo o mundo reconhecem a “possessão de espíritos”. O vodu é o que mais ouvimos sobre a tradição, que na verdade é uma herança de muitas tradições africanas antigas, ainda praticadas na África atualmente.

A medicina e a psicologia ocidentais atribuíam às formas mais graves de psicose como sendo devido a algum tipo de possessão espiritual até cerca de 200 anos atrás. A Igreja Católica ainda realiza os ritos de “exorcismo” demoníaco de acordo com a antiga tradição da igreja.

A psiquiatria moderna acredita que os múltiplos fenômenos da personalidade são puramente o desvio de vários sistemas neurais em relação à identidade no cérebro. No entanto, os mecanismos neurais exatos da “personalidade múltipla” são igualmente obscuros, assim como as explicações da “possessão de espíritos”.

Minha pesquisa sempre foi dirigida por aqueles aspectos de nossa natureza espiritual que curiosamente parecem consistentes em todas as culturas primitivas e antigas. Outros tópicos desse tipo são crenças em deuses, reencarnação, céu e inferno, corpos sutis de chacras internos, energia espiritual sutil como chi ou prana, possessão espiritual, exorcismo, um dilúvio antigo, uma “árvore da vida”, corpos físicos se transformando em luz, mestres e anjos astrais, iluminação, sabedorias espirituais, telepatia, clarividência e muitos outros artefatos culturais de natureza espiritual.

Aqui, desejo explorar o aspecto da “possessão”, porque os meditadores profundos de muitas tradições falam de experimentar outras “entidades” ao redor deles ou habitando seus corpos ou campos de energia. Eu sei de muitas pessoas que compartilharam comigo que foram “possuídas” por várias entidades sutis, que estavam conectadas a seus chacras ou canal central para “se alimentar” do prana do praticante. O prana é a sua força vital, não a deles.

Quando essas entidades estão conectadas ao canal central em torno dos cinco órgãos sensoriais no chacra do cérebro e da coroa, pode-se ouvir seus pensamentos telepaticamente. Às vezes eles podem ser uma voz muito crítica na cabeça, uma oferenda de todos os tipos de comentários que causam distração ou comentários sexuais sobre pessoas vistas na vida. Eles também podem compartilhar imagens mentais de cenas ou cenários muito estranhos. O efeito é deixar o praticante se perguntando de onde vieram esses pensamentos ou imagens muito estranhos.

Pior de tudo, eles podem impor suas energias emocionais negativas e pensamentos correspondentes à sua consciência, de tal modo que não se pode diferenciar o sofrimento e pensamentos negativos deles dos seus. A identidade deles se funde com a sua temporariamente.

Uma boa maneira de ver se você tem alguma dessas entidades é se privar do sono por um longo período e perceber o que você vê quando vai dormir pela primeira vez. Você pode ver algumas imagens muito estranhas e pensamentos bizarros; isso é porque o campo de energia que separa a consciência deles da sua se desfaz, e as paredes de fogo que separam todas as entidades se dilui.

A maioria dos seres humanos é mentalmente uma composição dessas entidades, todas em competição por serem a entidade "controladora". É isso que torna nossas personalidades tão diversas e imprevisíveis. É também a fonte de nossos muitos impulsos de competição que tentam guiar nossas vidas em certas direções, mas muitas vezes conflitantes. Os pensamentos realmente maus, malignos ou suicidas pertencem a esses parasitas e parecem como se fossem seus até serem diferenciados.

Qualquer pensamento que você possa observar não é seu. Você nativamente não tem pensamentos.
Para a maioria das pessoas, tudo isso parece muito estranho e esquisito de se experimentar. No entanto, aqueles que manifestaram sua própria clareza, sensibilidade e telepatia, encontram esses fenômenos regularmente.

A ideia é despir o corpo e o corpo sutil, de todos esses parasitas. A maioria é benigna e bastante inconsciente. Eles se sentiriam como o prana contraído como pontos de pressão ao redor e dentro do crânio, bem como em qualquer parte do corpo. Eles são bem estacionários. Com os olhos fechados, você pode vê-los e senti-los como pequenas nuvens escuras de prana.

O problema é devido à proximidade deles; você se identificou com eles. Os pensamentos deles parecem tão seus, e você nem sequer questiona isso. Você não tem uma identidade "eu", apenas eles têm. Através de simplesmente permanecer na não-meditação clara e desperta, a presença, os pensamentos, as imagens e estados emocionais deles se tornarão evidentes. Ao serem claramente reconhecidos como NÃO sendo você, eles se dissociam e geralmente vão embora ou se afastam junto com qualquer mente negativa ou estados emocionais. A mudança súbita e o alívio de uma mente negativa ou estado emocional é imediato e maravilhoso. Então você pode controlá-los por sua intenção. Eles são muito fracos e irão obedecer. Foi assim que Padmasambava “subjugou” as divindades espirituais que estavam bloqueando sua exposição do Darma no Tibete.

Namkhai Norbu nos ensinou a “comandá-los”, não para educadamente “pedir” a eles para ir embora ou cessarem suas atividades. Todo o panteão dos protetores do Dzogchen foi subjugado pela intenção de serem Protetores do Darma. A prática de Chöd de Machig Labdron lida diretamente com nossos parasitas internos ou demônios da mesma maneira e através de outros meios ritualísticos. Quando eu praticava chöd antigamente, décadas atrás, eu achei toda a experiência completamente assustadora e arrepiante, mas surrealmente real. Eu tive um sonho visionário uma vez de um preta (fantasma faminto) brilhante e transparente, com um nariz enorme e grandes orelhas verdes pontudas se “alimentando” através do cheiro de odores pútridos que brotavam de um cadáver morto; coisas absolutamente arrepiantes!

Depois de limpar todos os parasitas ou entidades do seu corpo e de dentro do seu corpo sutil; preso ao canal central, como cracas no casco de um barco, a exteriorização do corpo pode ocorrer com uma visão clara e brilhante. Não há mais nenhuma confusão sobre sua verdadeira identidade.


Sobre o autor


Jackson Peterson é um instrutor norte-americano de Dzogchen e Mahamudra em contexto não-religioso.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Sabores da Não-Dualidade

Por Paulo Stekel


Este texto pretende ser um apanhado geral das diversas formas de conceitos que podem ser encaixados na definição de “não-dualidade”, da forma como tratamos em nossos artigos.

Na espiritualidade universal, o conceito de não-dualismo ou não-dualidade significa "não dois" ou "um indiviso sem um segundo". Refere-se primariamente a um estado maduro de consciência, no qual a dicotomia do eu-outro é "transcendida", e a consciência é descrita como "sem centro" e "sem dicotomias". Embora esse estado de consciência possa parecer espontâneo, geralmente segue uma preparação prolongada por meio da prática ascética ou meditativa/contemplativa, que pode incluir injunções éticas. Enquanto o termo "não-dualismo" é derivado do Advaita Vedanta, descrições da consciência não-dual podem ser encontradas no hinduísmo (Turiya, sahaja), budismo (vazio, pariniṣpanna, rigpa) e tradições ocidentais cristãs e neoplatônicas (henosis, união mística) .

A ideia asiática de não-dualismo é desenvolvida nas filosofias védica e pós-védica do hinduísmo, bem como nas tradições budistas. Os vestígios mais antigos do não-dualismo no pensamento indiano são encontrados nos Upanishads hindus (Brihadaranyaka Upanishad e Chandogya Upanishad), que enfatizam a unidade da alma individual chamada Atman e o Supremo chamado Brahman. No hinduísmo, o não-dualismo tem se associado mais comumente à tradição Advaita Vedanta de Adi Shankara.

Na tradição budista, a não-dualidade está associada aos ensinamentos do vazio (śūnyatā) e à doutrina das duas verdades, particularmente o ensinamento Madhyamaka da não-dualidade da verdade absoluta e relativa, e a noção Yogachara de "mente/pensamento apenas" (cittamatra) ou "apenas representação" (vijñaptimātra).

Quando se refere ao não-dualismo, o hinduísmo geralmente usa o termo sânscrito Advaita, enquanto o budismo usa Advaya (tibetano: gNis-med, chinês: pu-erh, japonês: fu-ni).

"Advaita" vem das raízes sânscritas, a”, não e “dvaita”, dual, geralmente traduzido como "não-dualismo", "não-dualidade" e "não-dualista". O termo "não-dualismo" e o termo "advaita" do qual se origina são termos polivalentes.

"Advaya" é também uma palavra sânscrita que significa "identidade, única, não duas, sem um segundo", e tipicamente se refere à doutrina das duas verdades do Budismo Mahayana, especialmente Madhyamaka.

Uma das primeiras vezes em que a palavra Advaita aparece é no versículo 4.3.32 do Brihadaranyaka Upanishad (~ 800 a.C.), e nos versículos 7 e 12 do Mandukya Upanishad (entre 500 a.C. a 200 d.C.) . O termo aparece no Brihadaranyaka Upanishad na seção com um discurso da unicidade de Atman (alma individual) e Brahman (consciência universal), como segue:

Um oceano é aquele que vê, sem qualquer dualidade [Advaita]; este é o mundo de Brahma, ó rei. Assim Yajnavalkya o ensinou. Este é o seu maior objetivo, este é o seu maior sucesso, este é o seu maior mundo, esta é a sua maior felicidade. Todas as outras criaturas vivem em uma pequena porção dessa felicidade. (Brihadaranyaka Upanishad 4.3.32)

O termo em inglês "não-comum" também foi usado nas primeiras traduções dos Upanishads em idiomas ocidentais que não o inglês desde 1775. Esses termos entraram no idioma inglês a partir de traduções literalmente inglesas de "advaita" subsequentes à primeira onda de traduções inglesas dos Upanishads. Essas traduções começaram com o trabalho de Müller (1823–1900), nos monumentos dos Livros Sagrados do Oriente (1879).

Max Müller traduziu "advaita" como "Monism" (Monismo), como muitos estudiosos recentes. No entanto, alguns estudiosos afirmam que "advaita" não é realmente monismo.

O não-dualismo é um conceito difuso, para o qual muitas definições podem ser encontradas.

Segundo Espín e Nickoloff, o "não-dualismo" é o pensamento de algumas escolas hinduístas, budistas e taoístas, que, em geral “ensina que a multiplicidade do universo é redutível a uma realidade essencial”.

Entretanto, como existem ideias e termos similares em uma ampla variedade de espiritualidades e religiões, antigas e modernas, nenhuma definição única para a palavra inglesa “nonduality” (Português, "não-dualidade"), pode ser suficiente, e talvez seja melhor falar de várias "não-dualidades" ou teorias de não-dualidade.

David Loy, que vê a não-dualidade entre sujeito e objeto como um fio comum no Taoísmo, no Budismo Mahayana e no Advaita Vedanta, distingue "Cinco Sabores da Não-dualidade":

1) A negação do pensamento dualista em pares de opostos. O símbolo Yin-Yang do taoísmo simboliza a transcendência desse modo de pensar dualista.

2) Monismo, a não-pluralidade do mundo. Embora o mundo fenomenal apareça como uma pluralidade de "coisas", na realidade elas são "de um único pano".

3) Advaita, a não-diferença de sujeito e objeto, ou não-dualidade entre sujeito e objeto.

4) Advaya, a identidade dos fenômenos e do Absoluto, a "não-dualidade da dualidade e a não-dualidade", a não-dualidade da verdade relativa e da verdade última encontrada no budismo Madhyamaka e na doutrina das duas verdades.

5) Misticismo, uma unidade mística entre Deus e o homem.

A ideia de não-dualismo é tipicamente contrastada com o dualismo, com o dualismo definido como a visão de que o universo e a natureza da existência consistem em duas realidades, como o Deus e o mundo, ou como Deus e Diabo, ou como mente e matéria, e assim por diante.

As ideias de não-dualidade também são ensinadas em algumas religiões e filosofias ocidentais, e ganhou atração e popularidade na espiritualidade ocidental moderna e no pensamento new age.

Diferentes teorias e conceitos que podem ser ligados à não-dualidade são ensinados em uma ampla variedade de tradições religiosas. Entre eles:

Hinduísmo: Nos Upanishads, que ensinam uma doutrina que foi interpretada de uma maneira não-dualista, principalmente tat tvam asi (Tu és Aquilo). O Advaita Vedanta de Shankara, que ensina que uma única consciência pura é a única realidade, e que o mundo é irreal (Maya). Formas não-duais do Tantra Hindu, incluindo o Xivaísmo da Cashemira e o Shaktismo centrado na deusa. Sua visão é semelhante ao Advaita, mas eles ensinam que o mundo não é irreal, mas a verdadeira manifestação da consciência. Formas do modernismo hindu que ensinam principalmente Advaita (neoadvaita) e os santos indianos modernos como Ramana Maharshi e Swami Vivekananda.

Budismo: "Shūnyavāda (visão da vacuidade) ou a escola Mādhyamaka", que sustenta que existe uma relação não-dual (isto é, não há separação verdadeira) entre a verdade convencional e a verdade última, bem como entre o samsara e o nirvana. "Vijnānavāda (visão da consciência) ou a escola Yogācāra", que sustenta que não há uma divisão perceptiva e conceitual última entre um sujeito e seus objetos, ou um conhecedor e aquilo que é conhecido. Também argumenta contra o dualismo mente-corpo, sustentando que só existe consciência. O pensamento Tathagatagarbha, que sustenta que todos os seres têm o potencial para se tornarem Budas. O budismo vajrayana, incluindo as tradições budistas tibetanas de Dzogchen e Mahamudra. Tradições budistas do leste asiático como Zen e Huayan, particularmente seu conceito de interpenetração.

Sikhismo: geralmente ensina uma dualidade entre Deus e os homens, mas recebeu uma interpretação não dual de Bhai Vir Singh.

Taoismo: ensina a ideia de uma única força universal sutil ou poder criativo cósmico chamado Tao (literalmente "caminho").

Subud: um movimento espiritual internacional que começou na Indonésia nos anos de 1920, fundado por Muhammad Subuh Sumohadiwidjojo (1901-1987). George Gurdjieff teria sido iniciado neste movimento.

Tradições abraâmicas: Místicos cristãos que promovem uma "experiência não-dual", como Meister Eckhart e Julian de Norwich. O foco desse não-dualismo cristão é aproximar o adorador de Deus e realizar uma "unidade" com o Divino. Sufismo (inserido no Islamismo), cada vez mais conhecido no Ocidente. Cabala Judaica e, especialmente, a Cabala Não-dualista, como proposta por Jay Michaelson.

Tradições ocidentais: O neoplatonismo, que ensina que existe uma única fonte de toda a realidade, o Um. Filósofos ocidentais como Hegel, Spinoza e Schopenhauer, que defenderam diferentes formas de monismo filosófico ou idealismo. Transcendentalismo, que foi influenciado pelo idealismo alemão e religiões indianas. Teosofia, uma noção apresentada por Helena Blavatsky. Movimento Nova era, que frequentemente confunde conceitos e mistura dualismo com não-dualismo.

Visões de Mundo e Realidade Construída

Por Carter Phipps


“Visão de mundo” é uma expressão popular nos dias de hoje e isso se explica. Ela vem do alemão Weltanschauung e é usada, num jargão comum, para indicar a ótica que empregamos para interpretar o mundo à nossa volta. No mundo pós-moderno, passamos a reconhecer como essas óticas interpretativas são importantes para moldar nossas perspectivas e as perspectivas de outros. Parte disso é um resultado natural da globalização e de nossa proximidade crescente de povos e culturas que veem o mundo sob uma ótica radicalmente diferente. “Por que eles nos odeiam?”, perguntou o presidente Bush na semana que se seguiu ao 11 de setembro – uma pergunta que ecoou em numerosas capas de revistas, manchetes de jornais por todo o país e na boca de americanos atônitos que até então nunca tinham pensado em coisas como uma visão de mundo. Os Estados Unidos foram forçados a aceitar o fato de que existem outras pessoas que veem o mundo através de uma lente completamente diferente – uma lente tão diferente que, aquilo que para nós era impensável, tornou-se para eles horrivelmente necessário. Mesmo dentro de nosso diversificado país, está se tornando cada vez mais claro que as diferenças entre nós não são apenas superficiais, de filiações políticas ou religiosas. Há diferenças mais fundamentais em como interpretamos e vivenciamos o mundo à nossa volta e dentro de nós.

Podemos pensar que temos simplesmente uma percepção direta do mundo, mas de fato, cada percepção é filtrada por nossa perspectiva particular, como fica claro nos momentos em que somos confrontados com alguém cuja perspectiva é radicalmente diferente da nossa. Como diz o filósofo Ken Wilber: “O que nossa consciência nos entrega é posto em contextos culturais e em muitos outros tipos de contextos, que provocam uma interpretação e uma construção de nossas percepções antes mesmo que elas atinjam a consciência. Assim, o que chamamos de real, ou o que imaginamos como dado, é na realidade construído – é parte de uma visão de mundo”.

Há na realidade um lugar onde se estudam coisas amorfas como visões de mundo: o Centro Leo Apostel, um instituto de pesquisa filiado à Universidade Livre de Bruxelas. Eles definem uma visão de mundo da seguinte maneira:

“Uma visão de mundo é um sistema de coordenadas ou um quadro de referência em que tudo que nos é oferecido por nossas diversas experiências pode ser colocado. É um sistema simbólico de representação que nos permite integrar tudo o que sabemos, sobre o mundo e nós mesmos, num quadro global, um quadro que ilumina a realidade como ela nos é apresentada dentro de uma determinada cultura.”

Uma visão de mundo não é exatamente um valor; é o próprio conglomerado de conclusões sobre o mundo que determina que tipo de valores sustentamos. Não é apenas uma coleção de pensamentos ou ideais; são as próprias estruturas da psique que ajudarão a determinar que tipo de pensamentos ou ideias teremos. Visões de mundo são como uma construção invisível de andaimes em nossa consciência, conclusões profundas sobre a natureza da vida, que ajudam a moldar como nos relacionamos praticamente com tudo à nossa volta. Como o estudioso cristão N. T. Wright explica, as visões de mundo “são como as fundações de uma casa: vitais, mas invisíveis. São aquilo através do qual, não para o qual, uma sociedade, ou um indivíduo, normalmente olha”.

Não escolhemos visões de mundo do modo como escolhemos um conjunto de roupas ou decidimos sobre nossas preferências musicais. Visões de mundo são construídas sobre a arquitetura cognitiva e psicológica do self e são fortemente influenciadas pela cultura em que vivemos. Não são simplesmente sabores que vamos escolhendo com cuidado no bufê cultural, acréscimos conscientes a nossas personalidades – uma dose de conservadorismo aqui, uma ajuda da religião ali, um bocado de liberalismo mais adiante. Não, visões de mundo estão atadas ao próprio desenvolvimento do self no contexto de uma dada cultura. Não as possuímos; na maior parte das vezes, elas nos possuem. São estruturas profundas que determinam o próprio modo como criamos significados nas faculdades exclusivas de nossa consciência.

Poderíamos dizer que as visões de mundo nos ajudam a tirar um sentido da experiência de estarmos vivos; elas são, em outras palavras, epistemológicas. São também ontológicas, significando que informam o modo como compreendemos a natureza fundamental do próprio ser. Mas, antes que você comece a pensar que visões de mundo são ideias abstratas, deixe-me dissuadi-lo dessa noção. Crescendo numa cidade pequena na orla do Cinturão da Bíblia [N.T. Cinturão da Bíblia é o nome dado a uma extensa região do sudeste dos Estados Unidos onde a influência das igrejas protestantes é muito forte], a pessoa aprende desde cedo que visões de mundo são assustadoramente práticas. Para um adolescente, elas determinam coisas cruciais como quem pode dançar em festas, quem acha que tudo bem o sexo antes do casamento e quem acha que ambas as coisas são um ato de possessão satânica. Elas informam quem vai para nossa igreja ou se alguém vai a alguma igreja. Respondem a questões relativas à raça e à sexualidade. Ajudam a estabelecer como a pessoa encara a ética e a moral. Traçam as possibilidades inerentes à masculinidade e à feminilidade. Liberam e constrangem, dão confiança e são causa de dúvida. São, poderíamos dizer, as verdadeiras placas tectônicas de nossa cultura global, e seus movimentos determinam em grande parte a direção e o desenvolvimento de nossa sociedade no decorrer do tempo.

(…) De fato, no centro de qualquer visão de mundo está uma convicção ou um conjunto de convicções crucial sobre a natureza do que é real, verdadeiro e importante. Assim, embora visões de mundo possam muito bem ser complexas abominações psicossociais, de uma maneira paradoxal também são simples. Não estou querendo dizer que sejam simplistas, mas que estão construídas sobre fundações simples, convicções profundas que estabelecem os parâmetros e definem os termos em que construímos o self e a cultura. Uma visão de mundo pode se expressar através dos indivíduos em centenas de milhares de modos, mas cada uma dessas expressões trará consigo a marca dessas convicções fundadoras.

O filósofo William H. Halverson sugere que, “no centro de cada visão de mundo está o que poderia ser chamado de ‘proposição primária’ dessa visão de mundo, uma proposição que é considerada a verdade fundamental sobre a realidade e serve de critério para determinar que outras proposições podem ou não ser incluídas como candidatas para a crença”. Por exemplo, podemos dizer que a proposição primária de uma visão de mundo científica modernista é que o universo é objetivamente compreensível pelo emprego de investigação racional e metodologia científica – uma convicção que informa suas interpretações de cada dimensão da vida, da religião à arte e à economia.

(…) Alfred North Whitehead, o grande evolucionário inglês e filósofo do processo, (…) sugeriu que a realidade é construída não de fragmentos de matéria, mas de “ocasiões” momentâneas de experiência que caem uma dentro da outra e fluem uma para a outra, criando a sensação de realidade e tempo, assim como moléculas de hidrogênio e oxigênio em cascata criam a realidade de um rio. Ele chamou nosso fracasso em reconhecer esse movimento, nossa tendência a transformar fluxo em fixidez, de “falácia da falsa concretude”.

[Trecho do livro “Evolucionários – revelando o potencial espiritual e cultural de uma das maiores ideias da ciência”, de Carter Phipps (Ed. Cultrix). A noção de “falácia da falsa concretude” citada no final do texto é muito semelhante à explicação do Buda sobre a ilusão do eu e da percepção do mundo, que impede que se veja o encadeamento de todas as causas e condições, a lei da originação codependente – pratityasamutpada, em Sânscrito.]

Sobre o autor


Carter Phipps é escritor, jornalista e principal voz da emergente “visão de mundo evolucionária”, que combina as percepções da Filosofia Integral, da ciência evolucionária, da psicologia desenvolvimental, das ciências sociais e da espiritualidade evolucionária.


Se você deseja adquirir o livro “Evolucionários”, acesse o link de compra no site da Editora Cultrix: https://www.grupopensamento.com.br/produto/evolucionarios-5762

Cabala Teosófica

Por Jay Michaelson (tradução do artigo publicado no site Learn Kabbalah - https://learnkabbalah.com/theosophical-kabbalah/-, feita por Paulo Stekel, sob autorização expressa do autor)


O mais conhecido e mais importante dos “fluxos” da Cabala é chamado, pelos estudiosos, de Cabala “teosófica” (ver sobre os três fluxos no texto já postado aqui: https://novodharma.blogspot.com/2019/04/os-tres-fluxos-da-cabala.html). “Teosófica” significa ter a ver com conhecimento, ou sabedoria, sobre o Divino, e assim a Cabala Teosófica explica, em grande detalhe, a natureza da Divindade, a relação do Infinito ao Finito, e como este mundo surgiu.

(Infelizmente, a palavra "teosófica" foi usada por um grupo de místicos do século 19 e 20, incluindo W.B. Yeats, para descrever sua busca, mas tinha um significado diferente naquele contexto. Aqui, significa apenas geralmente, como tendo a ver com conhecimento do Divino.)

N.T. Não confundir com a Teosofia de Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica.

Como já dissemos (ver https://novodharma.blogspot.com/2019/04/o-significado-de-deus-o-nome-impreciso_9.html), os Cabalistas têm uma ideia muito diferente e muitas vezes surpreendente de “Deus” daquela que normalmente temos. De fato, o conceito de “Deus” (Elohim) é um conceito que evolui, ao longo do tempo, do Infinito - o que nós pensamos como “Deus” é apenas uma face do infinito, o Infinito. Então, enquanto você lê esta introdução à Cabala teosófica, pode se achar pensando “Este não é o Deus que eu aprendi na escola dominical” ou “Este não é o Deus que eu ouço as pessoas falando na televisão.” Bom, isto é um sinal de que você está entendendo.

A tarefa fundamental da Cabala Teosófica é explicar a estrutura do universo, especialmente como o universo pode existir se Deus é verdadeiramente infinito. Pense nisso: se Deus é infinito, como a nossa fonte de Cordovero disse acima, então por que existem computadores, mesas, pessoas, árvores e céu? Por que o mundo parece ser um lugar de objetos separados, jogados juntos por acaso e dificilmente “cheios de luz divina”?

Além disso, a Cabala Teosófica tornou-se sistematizada em parte em resposta à filosofia racionalista, que tentou entender com maior clareza o que é “Deus”. Para tomar apenas um exemplo, se Deus é perfeito, isso significa que Deus não pode mudar, porque uma mudança implica um movimento de um conjunto de atributos (A, B, C, D) para outro (A, B, C, X). Ambos os conjuntos não podem ser perfeitos e, portanto, Deus não pode mudar. Mas, se Deus não pode mudar, como pode “criar” o universo? Como alguém explica as passagens bíblicas nas quais Deus parece mudar de, digamos, um estado com raiva para o de perdoar?

Os filósofos, principalmente o rabino Moshe ben Maimon (Maimônides), chegaram a respostas para essas perguntas. Mas, os Cabalistas vieram com outras muito diferentes. Eles disseram, em uma série de livros, incluindo o Zohar, que a Luz Infinita - usando uma metáfora aqui - brilha através de uma série de prismas, que colorem a luz e dão forma aparente ao informe. Esses prismas são chamados de sefirot, e as sefirot funcionam como vasos de energia Divina presentes em toda a criação, inclusive em nós. Deus se manifesta deuses através das sefirot, e assim o mundo aparece como acontece.

Não é simples, ainda não está claro - mas continue, pois exploraremos alguns textos e ensinamentos que preenchem a imagem.

O erro crítico que todos nós cometemos, por causa de como a natureza humana é projetada, é que supomos que essa forma é separada e real. Achamos que mesas e cadeiras são reais e separadas e, mais importante, achamos que somos também. E, desde que eu estou separado de você, e desde que minha felicidade é o que importa, eu desenvolvo todos os tipos de mecanismos complicados para, de alguma forma, me manter feliz, mesmo que ocasionalmente seja às suas custas. Eu sei que devo agir de todas as formas morais e saudáveis, mas não quero, porque quero coisas, dinheiro, felicidade, amor - vou até agir contra meus próprios interesses de longo prazo para conquistá-los.

Realmente, o que é concebido como “eu” é uma ilusão culturalmente contingente do cérebro que funciona bem. Em termos teístas, "eu" sou, como Madonna disse, influenciada pela Cabala, na verdade um raio de luz. E, minha separação da fonte de luz existe apenas em um plano de percepção. Mas não parece assim, e então eu ajo de maneiras que realmente melhoram a percepção da separação (por exemplo, construindo muros ao redor das minhas emoções) para, quem sabe, sobreviver.

No entanto, para a Cabala Teosófica, as estruturas do “eu” não são aleatórias, mas refletem a estrutura do próprio macrocosmo. A mais conhecida delas é a das sefirot, sobre a qual falaremos a seguir.

Sobre o autor


Dr. Jay Michaelson é autor de seis livros e mais de trezentos artigos sobre religião, sexualidade, direito e prática contemplativa. Ph.D. em pensamento judaico pela Universidade Hebraica , é colunista do jornal The Daily Beast e do Forward. Em sua “outra” carreira, Jay é professor assistente afiliado ao Seminário Teológico de Chicago, ensina meditação em linhagens budistas theravadas e judaicas e possui ordenação rabínica não-denominacional.

De 2003 a 2013, Jay foi um ativista LGBT profissional. Fundou duas organizações LGBT judaicas e apoiou o trabalho de ativistas em todo o mundo na Arcus Foundation, no Democracy Council, e seu novo projeto no Daily Beast, Quorum: Global LGBT Voices.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Os seres humanos são especiais?

Por David Loy (artigo originalmente publicado em http://www.davidloy.org/downloads/Loy%20Are%20Humans%20Special.pdf) – tradução de Paulo Stekel


Obviamente, somos uma espécie única. Olhe em volta: os humanos transformaram muito a superfície da terra, remodelando-a para sua própria conveniência. Nós cumprimos a injunção de Deus no primeiro capítulo da Bíblia: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança, e os deixemos governar sobre os peixes do mar e as aves do ar, sobre o gado, sobre toda a terra, e sobre todas as criaturas que se movem pelo chão.” (Gênesis 1:26) Alguns capítulos depois, nosso domínio é reiterado: “E o temor de ti e o pavor de ti será sobre todos os animais da terra e todas as aves do ar (...) em tuas mãos eles são entregues.” (9: 2) Podemos nos perguntar o que significa ser feito à imagem de Deus, mas nossa superioridade a todas as outras criaturas é assim divinamente sancionada, com a implicação aparente de que eles existem para os usarmos.

Esses versos são frequentemente citados como uma raiz da crise ecológica, pois as consequências dessa superioridade tecnológica, pelo menos, se tornaram devastadoras. Não é surpreendente, então, que um número crescente de pessoas atualmente duvida de que devamos nos ungir como o auge da criação. Ecologistas profundos afirmam que o mundo natural não deveria ser entendido como um recurso para os humanos explorarem, e que todos os seres vivos têm valor inerente. O biólogo evolucionário Stephen Jay Gould argumentou que a evolução não implica em que sejamos uma espécie única: qualquer percepção de progresso é uma ilusão baseada na arrogância humana.

De uma perspectiva budista, no entanto, nossa situação é mais complexa. Os primeiros textos enfatizam quão preciosa é a vida humana. Segundo uma analogia repetida três vezes no Cânone Páli, nascer como ser humano é mais raro do que a chance de que uma tartaruga cega, subindo à superfície do mar apenas uma vez a cada cem anos, coloque sua cabeça no buraco de uma canga de madeira flutuando nas ondas. Neste caso, contudo, a ênfase não está em alguma superioridade inata, mas em nosso potencial único. Ver a nós mesmos como melhores que outras espécies, e que estas existem para nosso benefício, não é a única maneira de entender a posição peculiar e o papel dos seres humanos na Terra. Essa perspectiva alternativa precisa ser esclarecida. De que maneiras somos especiais e de que maneiras não somos?

Progresso?

De uma perspectiva evolutiva, uma tendência para mais complexidade e uma maior consciência é algo aparente. Muitos traços biológicos importantes se originaram e melhoraram com o tempo, mais notadamente o melhor processamento de informações, habilidades fornecidas por cérebros maiores.

De acordo com isso, nem todos os cientistas são tão desconfortáveis quanto Gould em ver a evolução como progressista. O renomado biólogo E. O. Wilson, por exemplo, afirma que o progresso “é uma propriedade da evolução da vida como um todo por quase qualquer padrão intuitivo concebível, incluindo a aquisição de metas e intenções no comportamento dos animais. Faz pouco sentido julgá-lo irrelevante”.

Mas, a progressão pode ser entendida de uma forma que não caia na arrogância que preocupava Gould? Aqui eu acho que podemos nos beneficiar dos ensinamentos budistas sobre as “duas verdades”, que distinguem a verdade mais alta (absoluta) da verdade (relativa) convencional. Da
perspectiva última, não existe progresso, pois não importa quão simples ou complexos sejam os fenômenos (formas, coisas, etc.), eles permanecem “vazios” (shunya) de qualquer auto-existência. Tudo é interdependente, um processo que surge e desaparece de acordo com as condições. Em termos cosmológicos, nosso universo auto-organizador gera incessantemente novas formas, e todas elas são equivalentes na medida em que são produtos impermanentes da mesma criatividade cósmica. Não há progresso ou declínio porque, em termos desse processo gerativo, não há ganho ou perda. Não há mais valor em uma rocha ou árvore do que em um chimpanzé ou um humano, porque melhor ou pior não se aplica aqui. Cada um deles simplesmente é, não como uma coisa distinta, mas como uma manifestação “vazia”.

Nesta perspectiva, nada é perdido se a civilização entrar em colapso ou mesmo se a humanidade se tornar extinta. Outras espécies continuarão a evoluir, porque o universo continuará a gerar formas.
No entanto, essa perspectiva não é a única perspectiva. “Forma é vazio”, declara o Sutra do Coração, mas também “o vazio é forma”. Em termos dessa dimensão relativa – focando nas formas próprias - há progresso evolucionário: da vida unicelular a multicelular, do cérebro reptiliano ao dos mamíferos, de primatas conscientes a seres humanos autoconscientes. E, de acordo com os ensinamentos budistas tradicionais, somente os humanos podem despertar e se tornarem Budas. É por isso que é tão importante não desperdiçar nosso precioso nascimento humano.

Criaturas que criam

Assim, a doutrina budista das “duas verdades” pode ajudar a responder à questão de saber se os seres humanos são especiais de alguma forma (o que não significa necessariamente que temos domínio sobre o resto da criação) ou não mais especiais do que qualquer outra espécie (como Gould e muitos outros acreditam).

Ambas as perspectivas são válidas. De certa forma, somos criaturas iguais a todas as outras criaturas e sem mais valor. Mesmo assim, há algo que distingue os seres humanos, como o budismo também enfatiza. Uma característica dessa distinção é que somos criaturas que sabem que são criaturas; além disso, somos criaturas que criamos e sabemos que criamos. Se o universo não é uma coisa, mas um processo criativo em andamento, nós nos tornamos seus epicentros, de uma maneira que nenhuma de suas outras formas são (até onde sabemos). Conosco, novos tipos de criatividade e de prosperidade se tornam possíveis.

Muitas espécies criam. Os cupins africanos constroem montes complexos com mais de nove metros de altura que incluem câmaras de berçário e jardins fúngicos. Ao contrário de tais comportamentos instintivos, entretanto, os humanos criam algo incomensuravelmente mais complexo e interessante: a cultura, que por sua vez nos recria e condiciona as possibilidades adicionais que podemos imaginar e realizar. Se não consideramos a distinção usual entre a evolução biológica e cultural, podemos ver a civilização como uma continuação do mesmo processo gerativo. Nosso neocórtex superdimensionado e os polegares opositores nos permitem ser cocriadores. Se "Deus" é outro termo mais familiar para a criatividade intrínseca de nosso cosmos sempre em transformação, é isso o que significa ser "feito à imagem de Deus"? Transformamos o comer em alimento crescente, cozinhar e jantar; procriação em romance, casamentos, lua de mel, casamento e vida familiar (e divórcio); grunhidos comunicativos na literatura, filosofia e outros tipos de narrativa.

Criamos novas “espécies” que nunca poderiam evoluir sem nós: machados e facas, casas e escolas, templos e catedrais, quartetos de cordas e quartetos de jazz, sistemas econômicos e instituições políticas. Desta forma, o universo torna-se infinitamente mais rico em possibilidades sempre crescentes.

Os humanos não são apenas mais uma manifestação desse processo: nos tornamos um contribuinte único e importante para a sua criatividade incessante. A modernidade provocou uma explosão de ingenuidade incomparavelmente mais sofisticada do que qualquer coisa que existisse anteriormente. Hoje, a inovação de todos os tipos tornou-se um ciclo de feedback cada vez mais acelerado, à medida que as descobertas científicas e as conquistas tecnológicas permitem novas descobertas.

Graças a novos meios de comunicação, apenas uma pessoa precisa descobrir alguma coisa importante; dentro de alguns dias a maioria das pessoas que seguir as notícias pode saber sobre tal coisa, e dentro de alguns anos, ela pode ser utilizada em todo o mundo.

Nós nos tornamos tão acostumados a esse processo que agora o damos como indubitável, mas ele é uma das características mais extraordinárias da vida contemporânea. E, embora eu esteja tão preocupado quanto qualquer um em depreciar a ganância institucionalizada que motiva e explora tantas atividades econômicas hoje, o capitalismo, com seu incentivo ao espírito empreendedor, desempenhou um papel essencial na promoção dessa criatividade, e continua a fazê-lo.

Significado

Há outra implicação a ser destacada: a coisa mais importante que os humanos criam é o significado. Steven Weinberg, ganhador do prêmio Nobel de física, afirmou que “quanto mais o universo parece compreensível, mais também parece inútil”. Mas, examinar o universo objetivamente e concluir que isso é sem sentido perde o ponto. Quem está compreendendo que o universo é sem sentido? Alguém
separado dele, ou alguém que é uma parte inseparável dele?

Se os próprios cosmologistas são uma manifestação do mesmo universo que os cosmologistas estudam, com eles o universo está compreendendo a si mesmo. Isso muda o universo? Quando chegamos a ver o universo de uma nova maneira, é o universo que está vindo a ver-se de uma nova maneira.

A sombria conclusão científica de Weinberg é muito diferente das mitologias tradicionais de, provavelmente, todas as civilizações antigas. Para elas, o mundo era objetivamente significativo no sentido de que os seres humanos são parte de um padrão maior e que temos um papel importante a desempenhar na manutenção dessa ordem. No antigo Egito, rituais eram necessários para manter a deusa do céu Nut separada do deus da terra Geb, ou o caos se abateria sobre a terra. Civilizações mesoamericanas acreditavam que sacrifícios humanos eram necessários para sustentar o cosmos, o exemplo mais famoso sendo a prática asteca de arrancar os corações das vítimas de guerra como oferendas ao Deus do sol.

Felizmente, poucas pessoas ainda acreditam em tais mitologias mas, a crença de que o universo é, em última análise, sem sentido, é problemática de uma maneira diferente. De uma certa perspectiva, o significado é inescapável: está embutido em nossas prioridades. Se meu foco é “olhar para o número um”, o significado da minha vida se torna a promoção dos meus próprios interesses. Se meu próprio bem-estar não pode realmente ser separado do bem-estar de outros, então, essa orientação básica pode ser baseada em um delírio; e se essa ilusão é generalizada, o significado construído para o funcionamento de toda uma sociedade pode ser “auto-estupidificante” e até mesmo autodestrutivo. Essa motivação pode, no entanto parecer apropriada se o universo for inútil e nossa espécie nada mais for que um acidente evolutivo. Mas, se formos uma maneira pela qual o cosmos gerativo se torna autoconsciente, estas serão possibilidades mais interessantes.

Uma característica exclusivamente humana, enfatizada pelo budismo, é que podemos desenvolver a capacidade de nos "desidentificar" de toda e qualquer coisa, desapegando-nos não só do sentido individual de eu separado, mas também dos eus coletivos: dissociação de dualismos como patriarcado, nacionalismo, racismo, até mesmo especismo ("somos humanos, não animais inferiores"). A meditação desenvolve tal desapego, mas o ponto de tal desapego não é nos dissociarmos de tudo, mas percebermos, realizarmos nossa não dualidade com tudo.

Que os seres humanos são a única espécie (até onde sabemos) que pode saber que é uma manifestação de todo o cosmos, abre uma possibilidade que, talvez, precise ser adotada se quisermos sobreviver às crises que agora nos confrontam. Em vez de continuar a explorar os ecossistemas da Terra para o nosso suposto benefício, podemos escolher trabalhar pelo bem-estar do todo. O fato de não estarmos separados do resto da biosfera faz de toda a terra nosso corpo, com efeito, o que implica não apenas um entendimento especial, mas também um papel especial em resposta a essa percepção. Como o Metta Sutta declara: “Deixe os pensamentos de amor ilimitado permearem todo o mundo - acima, abaixo, e através - sem qualquer obstrução, sem qualquer ódio, sem inimizade.”

Perguntar se o universo em si é objetivamente significativo ou sem sentido é sair do ponto - como se o universo fosse fora de nós, ou simplesmente fosse sem nós. Quando não apagamos nós mesmos da imagem, podemos ver que somos significantes, os seres pelos quais o universo introduz uma nova escala de significância e valor.

A responsabilidade de ser especial

Se somos especiais por causa do nosso potencial, devemos escolher. Somos livres para derivar o significado de nossas vidas a partir de delírios sobre quem somos - de histórias disfuncionais sobre o que o mundo é e como nos encaixamos nele - ou podemos derivar esse significado a partir de insights sobre a nossa não-dualidade com o resto do mundo. Em ambos os casos, há consequências.

O problema de basear a vida em ilusões é que as consequências provavelmente não serão boas. Além de produzir poesia e catedrais, nossa criatividade encontrou recentemente expressão nas guerras mundiais, genocídios e armas de destruição em massa, para mencionar alguns exemplos desagradáveis. Estamos nos estágios iniciais de uma crise ecológica que ameaça o legado natural e cultural das gerações futuras, incluindo um evento de extinção em massa que pode levar ao desaparecimento de metade das espécies de plantas e animais da Terra dentro de um século, de acordo com E. O. Wilson - um evento de extinção que pode incluir-nos.

O que precisa ser feito para que nossos extraordinários poderes co-criativos promovam o bem-estar coletivo (neste caso, coletivo referindo-se a todos os ecossistemas da biosfera)? Devemos evoluir ainda mais - não biológica, mas culturalmente – para sobreviver, afinal? De uma perspectiva budista, nossas tendências antiéticas derivam, em última instância, de um equívoco: a ilusão de um eu que é separado dos outros, um grande erro para uma espécie cujo bem-estar não é separado do bem-estar de outras espécies. Na medida em que somos ignorantes de nossa verdadeira natureza, a preocupação individual e coletiva conosco naturalmente nos motiva a sermos egoístas. Sem a compaixão que surge quando sentimos empatia - não só com outros humanos, mas com toda a biosfera - é provável que a civilização como a conhecemos não sobreviverá muito mais gerações.

Em ambos os casos, parece que estamos destinados a ser especiais. Se continuarmos a devastar o resto da biosfera, somos indiscutivelmente a pior espécie da Terra: um câncer da biosfera. Se, no entanto, a humanidade puder despertar para se tornar seu “bodhisattva coletivo” - executar a tarefa de longo prazo de reparar a ruptura entre nós e a Mãe Terra - talvez nós, como espécie, cumpramos o potencial único da preciosa vida humana.

Sobre o autor


David Robert Loy é professor, escritor e instrutor na tradição Sanbo Zen do Zen-Budismo japonês (www.davidloy.org). Autor do livro "Nonduality - a study in comparative philosophy" (1988), uma importante análise sobre as tradições não duais, ainda sem tradução para o Português.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Cabala como prática contemplativa

Por Jay Michaelson (tradução do artigo publicado no site Learn Kabbalah - https://learnkabbalah.com/kabbalah-as-contemplative-practice/ -, feita por Paulo Stekel, sob autorização expressa do autor)


Suponhamos por um momento um princípio básico da Cabala: que, normalmente, estamos recebendo apenas uma pequena porção do que o mundo está manifestando a qualquer momento. Cientificamente e intuitivamente, sabemos que isso é verdade. Se nossas mentes não filtrassem percepções consideradas estranhas, seríamos inundados de informações sensoriais e incapazes de fazer qualquer coisa. Seríamos como crianças, apenas com as ferramentas mais rudimentares para entender ou nos relacionar com a realidade. Assim, nossas mentes se desenvolvem para filtrar o que é irrelevante e organizar informações perceptivas de maneira que, como a experiência nos ensinou, funcionem.

Podemos saber isso diretamente, simplesmente fechando os olhos e tentando lembrar-nos dos detalhes mundanos de nosso ambiente. Quais são as imagens nas laterais desta página, por exemplo. Ou até mesmo o que você está vestindo hoje. Algumas coisas notamos, algumas esquecemos e outras mal encontramos em primeiro lugar.

Se aceitarmos o princípio de que há mais no mundo do que geralmente percebemos, então surge a questão de como, se estivermos interessados, poderemos perceber mais. Esta é outra questão fundamental da Cabala: como podemos receber. Para os Cabalistas, o mundo é totalmente Infinito, totalmente Um, totalmente Divino. Alguns de nós podem não ter tanta certeza. Mas certamente, seja o que for a vida, muitos, se não a maioria de nós, estão interessados em conhecê-la da forma mais profunda e rica possível.

Então, como fazemos isso? Claramente, algum trabalho deve ser feito na mente, a fim de desaprender alguns dos filtros e peneiração que começamos a aprender no nascimento. Cada um dos três fluxos da Cabala (ver artigo anterior que já postamos - https://stekelblogue.blogspot.com/2019/07/os-tres-fluxos-da-cabala.html) tem uma maneira diferente de fazer esse trabalho.

O método atual mais imediato para buscadores espirituais é provavelmente o da meditação. Ao desacelerar as correntes de pensamento dentro da mente, é possível observar a mente com mais clareza e acessar cada percepção em seus mínimos detalhes. Todos os tipos de resultados tendem a aparecer. Psicologicamente, os meditadores podem se tornar muito mais sintonizados com seus sentimentos, pensamentos e sensações corporais, notando emoções negativas como raiva, mágoa ou tristeza antes de “assumir” e perceber emoções positivas quando elas surgem. As pessoas que meditam tendem a relaxar mais facilmente, já que não estão sendo movidas por suas mentes emocionais e reativas. Também somos capazes de perceber o mundo com mais clareza - um bocado de comida, um passo ou uma respiração de cada vez. Para tipos “espirituais” como eu, o mundo se torna dolorosamente belo e perceptivelmente carregado pelo Divino. A meditação, de fato, me ajuda a enxergar com mais clareza - e o que vejo está de acordo com o que os místicos escreveram durante séculos.

Notavelmente, esta forma de meditação não está presente na Cabala até o século XIX. Certamente, há muitos professores de Cabala que hoje integram a prática básica da meditação de insight, ou alguma outra forma, com ideias e estruturas cabalísticas - inclusive eu. Mas as formas de meditação originárias da Cabala são sutilmente diferentes, e a própria meditação, mesmo quando está presente, não é central em todo tipo de Cabala.

Então, prossigamos, a despeito das suposições e estruturas da Cabala.

A Cabala Teosófica ajuda os praticantes a receber a plenitude da realidade, sintonizando-os intimamente com as estruturas simbólicas e energéticas dessa realidade, no texto e na vida. Considere as dez sefirot. Cada uma delas pode ser experimentada como realidades físicas, emocionais, intelectuais e espirituais. À medida que se aprende a fazê-lo, aprofunda-se o vocabulário da experiência e torna-se cada vez mais sintonizado com as flutuações diminutas do mesmo. Em outros artigos, eu examino detalhadamente as sefirot e faço uma analogia com a lenda urbana (falsa) sobre os esquimós que têm muitas palavras para a neve. O ponto dessa analogia é que, à medida que nosso vocabulário cresce, nossa experiência se aprofunda.

Se você realmente mergulhar na Cabala Teosófica, aprendendo o Zohar, conhecendo seus símbolos, descobrirá por si mesmo que as cadeias de associações começam a fluir muito facilmente. Você pode “tocar” com o Zohar como um músico de jazz toca sobre um tema em uma composição. Pode sentir a interação de energias (e eu uso este termo muito vagamente) em sua experiência vivida. E, gradualmente começa a se abrir, aprofundar e receber.

Isso funciona, mas a única maneira de saber se funciona é tentar. E, para tentar, é preciso muito aprendizado e esforço. A Cabala Teosófica não é como a meditação básica, que qualquer um pode aprender com apenas alguns dias de prática. Ele existe dentro de um contexto elaborado de símbolos, linguagem e estruturas religiosas, que é uma razão pela qual é frequentemente reservada para estudantes avançados.

Muitos buscadores espirituais estão hoje convencidos de que qualquer caminho espiritual pode ser aprendido rapidamente, no tempo livre e em inglês [N.T. o texto original está em Inglês]. Bem, isso não é verdade. Alguns caminhos podem e outros não. Seja para melhor ou para pior, a Cabala Teosófica não pode. Você pode aprender os símbolos, familiarizar-se com as verdades centrais e aprofundar sua apreciação pela vida através das belas ideias da Cabala. No entanto, o fato é que, para se tornar verdadeiramente fluente nos detalhes da Cabala Teosófica, leva tempo.

A Cabala Profética tem um caminho mais familiar e acessível para a recepção: meditação. As técnicas precisas de Abulafia e seus alunos dependem da língua hebraica, mas é possível aprendê-las apenas com algum conhecimento de hebraico. Eles criam estados de concentração intensa, que são descritos como união mística, e desbloqueiam o subconsciente, de certa forma como a psicanálise. Com a associação livre, a permutação de letras e muitas outras técnicas, as práticas da Cabala Profética rapidamente elevam a mente pensante, permitindo uma percepção mais direta da realidade.

Só a partir desta breve descrição, você pode ver como os métodos da Cabala Profética são diferentes dos da Cabala Teosófica. A prática profética ou extática não ajusta os sentidos às flutuações diminutas das sefirot; isso sacode a mente até que ela possa ver a realidade diretamente. Agora, a Cabala profética ainda funciona com a linguagem e os tópicos da Cabala - sefirot, letras do alfabeto, nomes Divinos, etc. No entanto, ela usa tais recursos para gerar uma experiência mística.

Isto funciona muito bem, embora também precise de muita prática. Você pode provar os frutos da Cabala extática rapidamente se dedicar uma única noite a ela - mas precisa dedicar a noite toda, permutando as letras e permitindo que a mente se liberte. Criticamente, o objetivo não é se tornar elevado, é receber insights. Você vai, se fizer as práticas, elevar-se – ou seja, você alcançará um estado mental alterado que esperançosamente lhe será fascinante e prazeroso. (Também pode ser assustador, se tem medos ou inseguranças que surgem com muita força). Mas, para simplesmente seguir adiante neste estado mental alterado, se alegrar é perder o ponto. Há frutos advindos dessa prática, “mensagens” que parecem vir de fora, ou de dentro - que são realmente o mesmo lugar. Será óbvio para você como Abulafia entenderia essas mensagens como sendo profecia de Deus. Quer as veja dessa maneira, ou as veja apenas como o seu eu mais profundo falando com você - bem, isso depende da sua teologia. Mas não as ignore; elas são parte do que você está para receber aí.

Finalmente, a Cabala Prática também tem seu caminho de recepção. Voltando à suposição básica - há mais do que normalmente percebemos - a Cabala Prática tem por objetivo nos sintonizar com “frequências” específicas (novamente, um termo usado frouxamente e metaforicamente) que normalmente apagamos. O que é a magia, na verdade, mais que um aproveitamento de energias e potências que normalmente ignoramos? É fácil dizer, a partir de uma posição de dúvida, que essas potências são absurdas, que não acreditamos em magia. Mas sem experiência direta, como você realmente sabe? Porque tem charlatães na televisão? Porque não houve nenhum estudo "científico" disso? Bem, como poderiam os estudos científicos funcionar, quando as intenções dos participantes (não deve haver nenhum observador) são o que determina o resultado?

Não estou dizendo que você deveria acreditar em magia. Na verdade, estou dizendo o contrário, que não deve acreditar em nada. Mas, isso inclui seus próprios preconceitos. Não acredite em nada. Experimente tudo.

No caminho da prática da Cabala, os praticantes tentam descobrir e usar aspectos do mundo que ainda não entendemos. Alguns deles, sem dúvida, são psicossomáticos. E outros são provavelmente besteiras. Mas, na minha experiência, alguns deles são reais - não necessariamente explicáveis, mas praticamente indubitáveis. O que se aprende, quando os preconceitos sobre o mundo são abalados dessa maneira, é que há muito mais a receber do que possamos imaginar. Existem camadas de realidade, energias da realidade, que estão lá fora, mas das quais não estamos normalmente conscientes. Então, a Cabala Prática também nos permite receber mais.

Essas formas de receber são experienciais e, como resultado, minha análise delas acentua alguns aspectos da Cabala em detrimento de outros. Há quem diga que a Cabala é inteiramente um fenômeno textual, e que falar de experiência é um erro. Mas os próprios Cabalistas descrevem experiências - nem sempre na forma clássica de “testemunho místico”, mas de várias maneiras em diferentes fontes. E acho que, se não envolvermos o elemento experiencial em nossa própria aprendizagem, estaremos lendo receitas em vez de provar a refeição. Isso constitui realmente um profundo conhecimento da verdade?

Sobre o autor


Dr. Jay Michaelson é autor de seis livros e mais de trezentos artigos sobre religião, sexualidade, direito e prática contemplativa. Ph.D. em pensamento judaico pela Universidade Hebraica , é colunista do jornal The Daily Beast e do Forward. Em sua “outra” carreira, Jay é professor assistente afiliado ao Seminário Teológico de Chicago, ensina meditação em linhagens budistas theravadas e judaicas e possui ordenação rabínica não-denominacional.

De 2003 a 2013, Jay foi um ativista LGBT profissional. Fundou duas organizações LGBT judaicas e apoiou o trabalho de ativistas em todo o mundo na Arcus Foundation, no Democracy Council, e seu novo projeto no Daily Beast, Quorum: Global LGBT Voices.