quarta-feira, 26 de junho de 2019

Mente, Consciência e Mente Una

Por Paulo Stekel


Existe uma Mente Una? Uma mente da qual todos fazemos parte? Quem afirma isso é o notório Dr. Larry Dossey, um médico dos EUA, em seu livro “A Conexão da Consciência” (Cultrix, 2018). A ideia parece ser uma revivência do teísmo em bases mais científicas, mas a sua principal afirmação é de que isso não se refere a Deus como foi concebido pelas religiões.

A noção de uma Mente Una, por vezes chamada de Mente Cósmica ou Mente Universal por outros autores, é mais compatível com a noção indiana de Brahman e (melhor ainda) Parabrahman, o Absoluto na visão pós-védica a partir dos Upanishad.

Sobre Mente e Consciência

Em uma nota no início de seu livro, Dr. Dossey faz um esclarecimento sobre a diferença entre mente e consciência:

No fim da década de 1980, tive a oportunidade de dar uma palestra a médicos em Nova Délhi sobre evidências recém-surgidas de que a mente e a consciência podem constituir fatores de muita influência na saúde e na doença. Na discussão que se seguiu, um médico indiano já idoso levantou-se e pediu-me, com muita gentileza: ‘Dr. Dossey, o senhor poderia ser mais específico sobre o que entende por mente e consciência? Na minha tradição, elas não são a mesma coisa. Temos muitos níveis de consciência e muitos estados mentais. Diga-nos a qual está se referindo’. Perdi o rebolado e gaguejei uma patética pseudorresposta.

T. S. Eliot disse certa vez, a respeito dos filósofos indianos: ‘Suas sutilezas fazem quase todos os grandes filósofos europeus parecerem meros alunos’. (…) Porém acredito que, para a maioria dos leitores ocidentais, essas análises demasiadamente minuciosas da consciência muitas vezes são desmotivantes. Quando ouvem que, no budismo, o Kamaloka, o plano empírico/mundano da consciência, tem 54 estados e que o Lokuttara, o plano transcendental, tem 40 estados, os olhos dos ocidentais ficam completamente confusos.

(…) proponho as seguintes ideias de K. Ramakrishna Rao, um dos eminentes filósofos e pesquisadores da consciência contemporâneos da Índia. (…) muitos cientistas e filósofos ocidentais compartilham dos pontos de vista do professor Rao:

Na tradição hindu, a consciência é mais que uma experiência de percepção. Ela é um princípio fundamental subjacente a todo conhecimento e a todo ser. Diversas formas de percepção manifesta são imagens da consciência reveladas à pessoa como reflexos em sua mente. A estrutura cognitiva não gera consciência; ela simplesmente a reflete e, nesse processo, a limita e a embeleza. Em um sentido fundamental, a consciência é a fonte de nossa percepção. Em outras palavras, a consciência não é apenas a percepção nas diferentes formas em que ela se manifesta; ela é também aquilo que torna a percepção possível. No Kena Upanishad, afirma-se que a consciência é o ouvido do ouvido, o pensamento do pensamento, a fala da fala, o alento do alento e o olho do olho. (…) A consciência é a luz que ilumina as coisas sobre as quais brilha.’

Tentar compreender a consciência com a mente é um empreendimento vão. Como disse o estudioso budista Alan Watts, esse esforço é como tentar ver o olho com o próprio olho ou morder o dente com o próprio dente, ou seja, é usar a ferramenta errada para o trabalho.”

Aqui, é importante esclarecer que, conforme a filosofia indiana, tanto budista quanto hinduísta, a mente possui propriedades. Uma delas é a inteligência, geralmente definida como a capacidade para resolver problemas. Outra propriedade da mente é a consciência, em diversos graus. Se a consciência for comparada a um espelho que reflete, a qualidade deste espelho fará diferença na forma como ela reflete, o que seria correlato aos níveis de consciência. O tipo de espelho definiria os estados de consciência conforme os vários tipos de corpos em que a consciência se manifesta. Os indianos acreditam em vários “reinos” de existência, planos visíveis e invisíveis em que seres se manifestam e nos quais possuem diversos graus de consciência. A doutrina budista dos Seis Reinos de Samsara é toda baseada nesta ideia, que vem da cosmologia indiana antiga. Então, resumindo, a mente tem a propriedade de consciência em diversos graus e, esta, possui inteligência em algum grau. Assim, todos os seres, de amebas a seres humanos, estão conectados a uma Mente e possuem algum grau de consciência e de inteligência. Diante desta filosofia, desconfiamos que nossas definições para estes termos – mente, consciência e inteligência – estão muito distantes da realidade entendida pelos indianos.

O problema da ferramenta

Dr. Dossey prossegue: Esse ‘problema da ferramenta’ já foi identificado há muito tempo. Como disse Lao-Tzu, sábio chinês do século VI a.C., a respeito do Tao, ou Caminho da Natureza, ‘O Tao que pode ser expresso não é o Tao eterno; o nome que pode ser definido não é o nome imutável’. Assim como acontece com o Tao, acontece com a Mente Una.

Na primavera de 1933, os físicos Werner Heisenberg, Carl Friedrich von Weizsäcker e Niels Bohr reuniram-se com alguns amigos em uma tosca cabana nas montanhas da Baviera para passar um feriado esquiando. Naquela época, Heisenberg e Bohr já eram famosos no cenário mundial da física. Como descreve em seu livro Physics and Beyond, o próprio Heisenberg ficou como cozinheiro do grupo, e Bohr foi encarregado de lavar a louça. Heisenberg relata que certa noite, enquanto lavava a louça após o jantar, Bohr começou a discutir as deficiências da linguagem na descrição dos resultados de experimentos atômicos.

Nossa lavagem da louça é igualzinha à nossa linguagem’, disse Bohr. ‘A água é suja e os panos de prato também, mas, apesar disso, conseguimos limpar os pratos e os copos. Na linguagem, também, temos de trabalhar com conceitos pouco claros e com uma forma de lógica cujo âmbito está restrito a um caminho desconhecido. Mas, apesar disso, nós a usamos para levar algum esclarecimento à nossa compreensão da natureza.’ O problema enfrentado por Bohr, Heisenberg e os arquitetos da teoria quântica era o de não haver nada na experiência humana que se comparasse às suas descobertas experimentais e, por isso, o de não existir uma linguagem que as descrevesse adequadamente.

Da mesma maneira, o objetivo (…) de descrever a unificação das mentes individuais em uma Mente Una coletiva e unitária, também não pode ser atingido de modo satisfatório com a ferramenta da linguagem do autor.

(…) Os céticos que sofrem de ‘aleatoriomania’ ou de ‘estatisticalite’ costumam subestimar as experiências das pessoas, alegando que, para elas, tais experiências são ‘meras anedotas’. No entanto, são ‘anedotas’ essenciais para apreendermos a complementaridade entre as mentes individuais e a Mente Una. Se uma imagem vale mil palavras, a experiência de um indivíduo pode valer mil imagens. Não podemos jamais eliminar o elemento pessoal, subjetivo, de nossas tentativas de conhecer o mundo, nem mesmo de nossas tentativas científicas. Como disse Max Planck, o principal fundador da física quântica: ‘A ciência não pode solucionar o supremo mistério da natureza. E isso porque, em última análise, nós mesmos somos parte da natureza e, portanto, parte do mistério que tentamos solucionar’.”

Por que uma “Mente Una”?

Na introdução de seu livro, Dr. Dossey define seu conceito de “Mente Una” como sendo: “(…) um domínio coletivo, unitário, de inteligência, do qual fazem parte todas as mentes individuais. A Mente Una é uma dimensão na qual você e eu podemos nos encontrar, como estamos fazendo agora mesmo.

No século XX, fomos apresentados a várias subdivisões da mente, como o consciente, o pré-consciente, o subconsciente, o inconsciente, o consciente coletivo e o inconsciente coletivo. A Mente Una é uma perspectiva a mais de nossa paisagem mental. A diferença é que a Mente Una não é uma subdivisão: ela é a dimensão de abrangência global, totalmente inclusiva, à qual pertencem todos os componentes mentais de todas as mentes individuais. Escrevo Mente Una (One Mind) com maiúsculas para distingui-la da mente única (one mind) que pertence a cada indivíduo.

(…) Há várias maneiras de vivenciar a Mente Una. Imagine que ela seja uma fonte no deserto à qual nos dirigimos para beber. Podemos chegar à fonte sozinhos e ter uma experiência solitária. Ou podemos encontrar lá outra pessoa, um grupo de pessoas ou talvez uma multidão. De modo que, quando ‘bebemos’ da Mente Una, essa experiência pode nos afetar de maneira exclusiva e individual, manifestando-se como um conhecimento transcendente, uma epifania ou um avanço desbravador e criativo. Ou podemos adquirir informações de uma maneira inexplicável, como se ela se manifestasse por meio de uma revelação, ou podemos ter uma premonição que se comprove verdadeira. Alternativamente, as experiências da Mente Una podem envolver duas ou mais pessoas, como acontece quando casais, irmãos, gêmeos, amantes ou grupos de pessoas compartilham emoções, pensamentos ou sentimentos à distância. (…) Embora infindavelmente variados, os eventos associados à Mente Una têm isto em comum: eles envolvem uma percepção ilimitada e de grande amplitude e extensão.”

Essa percepção é, seguramente, extrassensorial, paranormal ou “mística”, para alguns. É o terreno de pesquisa da Ciência Psíquica (a antiga Parapsicologia) e entendida pelos indianos no contexto de “Siddhis” ou poderes internos da mente que podem ser acessados pelo iogue como um resultado de suas práticas. Se uma Mente Una conforme definida pelo Dr. Dossey existisse, deveríamos esperar, como consequência de sua existência, certos fenômenos verificáveis. Sim, ele responde, e como consequências poderíamos esperar que:

- Uma pessoa pudesse compartilhar pensamentos e emoções (e até mesmo sensações físicas) com um indivíduo distante com quem ela não está em contato sensorial.

- Uma pessoa pudesse demonstrar um conhecimento detalhado que estivesse de posse de outra que já tivesse morrido, e que não poderia ter sido adquirido por meios normais.

- Pudesse ocorrer comunicação à distância entre seres humanos e criaturas não humanas sencientes, como animais de estimação.

- Grandes grupos de animais, como manadas, bandos e cardumes, pudessem comportar-se de maneira tão estreitamente coordenada que se sugeriu para esse fenômeno a existência de mentes compartilhadas, superpostas.

- Uma pessoa prestes a morrer ou mesmo saudável pudesse entrar em contato direto com um domínio transcendente no qual lhe fosse revelado que ela é parte de uma mente maior, infinita no espaço e no tempo.

- Uma pessoa pudesse encontrar objetos escondidos ou perdidos por meios exclusivamente mentais, ou perceber em detalhes, sem contato sensorial, cenas distantes conhecidas por outras.”

Todos estes fenômenos são descritos na literatura mística e parapsicológica. Para o Dr. Dossey, são provas da Mente Una. Para ele, “o supremo argumento em favor da Mente Una é a não localidade da consciência”, um conceito usado em física quântica. Isso significa dizer, nas palavras do Dr. Dossey, que “as mentes individuais não são apenas individuais”.

Ele prossegue: “Elas não estão confinadas ou localizadas em pontos específicos do espaço, como cérebros ou corpos, nem em pontos específicos do tempo, como o presente. Em vez disso, as mentes são não locais em termos espaciais e temporais. Isso significa que a separação entre elas é uma ilusão, pois as mentes individuais não podem ser encerradas em uma caixa (ou cérebro) e isoladas umas das outras. Em certo sentido, todas as mentes se reúnem para formar uma única mente.

(…) Cunhei a expressão ‘mente não local’ em 1989, no livro Reencontro com a Alma: Uma Investigação Científica e Espiritual, para expressar aquilo que acredito ser um aspecto espacial e temporariamente infinito de nossa consciência. (…) a mente não local é semelhante ao antiquíssimo conceito da alma.”


Sobre o autor
Dr. Larry Dossey é líder em seu campo de estudos, levando compreensão científica à espiritualidade e o rigor das provas à medicina integrativa e complementar. Profissional de medicina interna e ex-diretor médico do Medical City Dallas Hospital, é um defensor internacional da importância da mente para a saúde e autor do best-seller “As Palavras Curam” (Cultrix), primeiro livro a abordar em profundidade o modo como a compaixão e a prece afetam a cura.


Se você deseja adquirir o livro “A Conexão da Consciência”, do Dr. Larry Dossey, acesse diretamente o link de vendas da Editora Cultrix: https://www.grupopensamento.com.br/produto/a-conexao-da-consciencia-5778

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