Por Paulo Stekel
Um artigo de 2016 de Lion’s Roar intitulado “A Consciência está em toda a parte”, de Sam Littlefair Wallace, afirmava que neurocientistas e budistas concordam quanto a este ponto: a consciência permeia tudo (pampsiquismo), sendo uma propriedade intrínseca a toda a realidade [ver artigo em https://mindmatters.pt/2016/05/14/neurocientistas-e-budistas-de-acordo-a-consciencia-esta-em-toda-a-parte/].
Um artigo de 2016 de Lion’s Roar intitulado “A Consciência está em toda a parte”, de Sam Littlefair Wallace, afirmava que neurocientistas e budistas concordam quanto a este ponto: a consciência permeia tudo (pampsiquismo), sendo uma propriedade intrínseca a toda a realidade [ver artigo em https://mindmatters.pt/2016/05/14/neurocientistas-e-budistas-de-acordo-a-consciencia-esta-em-toda-a-parte/].
O mote do artigo é
uma pesquisa do neurocientista Christof Koch, especialista em
estados de consciência, que em 2013 foi à Índia discutir por um
dia inteiro o tema com monges budistas ligados ao Dalai Lama.
Como diz o artigo:
“O pampsiquismo, a ideia de uma consciência universal, é
um pensamento relevante presente em alguns ramos da filosofia da
Grécia antiga, do paganismo e do budismo. Até recentemente, vinha
sendo largamente desvalorizado pela ciência moderna.
No seu trabalho
sobre consciência, Koch colaborou com o pesquisador Giuliu Tononi.
Tononi é o pai da teoria da consciência mais aceite atualmente, a
chamada Teoria da Informação Integrada (TII), à qual Koch se
referiu uma vez como sendo ‘a única teoria fundamental da
consciência que é verdadeiramente promissora.’
A teoria de
Toroni defende que a consciência apresenta-se em sistemas físicos
que contêm muitas partes diferentes de informação altamente
interligadas. Baseado nesta premissa, a consciência pode ser
mensurada como uma quantidade teórica, a que os cientistas chamaram
de phi.
(…) Existe já
uma necessidade prática premente para encontrar uma forma de medir a
consciência. Médicos e cientistas poderão usar o phi para saber se
uma pessoa em estado vegetativo está efetivamente morta, qual o
estado de consciência de uma pessoa demente, quando é que o feto
desenvolve consciência, qual o grau de percepção dos animais ou,
até mesmo, se um computador é capaz de sentir.
(…) A TII casa
igualmente esta aplicação prática com ideias muito profundas. A
teoria diz que qualquer objeto com um phi maior do que zero tem
consciência. Isto significa que animais, plantas, células,
bactérias e se calhar ate os prótons são seres conscientes.
(…) A
investigação moderna e o recente diálogo entre budistas e
cientistas tem-se centrado principalmente na compreensão do cérebro
físico. Mas os cientistas ainda mal começaram a desenvolver um
entendimento sobre a mente – ou consciência – propriamente dita.
No entanto, da
parte do budismo este é um debate que tem vindo a decorrer há
milhares de anos. O budismo associa a mente à senciência. O
falecido Traleg Kyabgon Rinpoche declarou, uma vez, que enquanto a
mente, juntamente com os objetos, é vazia, é porém, ao contrário
deles, luminosa. Com sinal semelhante, a TII afirma que a consciência
é uma qualidade intrínseca a tudo, porém apenas se revela de forma
significativa em determinadas condições – no mesmo sentido como
tudo é possuidor de massa, mas apenas objetos maiores possuem
gravidade perceptível.
(…) Christof
Koch, o qual começou a interessar-se pelo budismo durante os seus
tempos de faculdade, diz que a sua visão do mundo é coincidente com
os ensinamentos budistas sobre o ‘não eu’, impermanência,
ateísmo e pampsiquismo.
(…) No Mosteiro
de Drepung, o Dalai Lama disse a Christof Koch que Buda ensinou que a
senciência está em todos os lugares a vários níveis e que os
humanos devem ter compaixão por com todos os seres sencientes. Até
aquele momento, Koch ainda não se havia apercebido do peso desta
filosofia.
(…) A Teoria da
Informação Integrada mostra-se bastante promissora em relação ao
futuro. A partir de mais investigação, Koch e Tononi poderão levar
mais longe os seus testes sobre consciência, provando que todos os
seres são sencientes. Entretanto, budistas em todo o mundo trabalham
permanentemente no sentido do desenvolvimento de uma compreensão
sobre a mente. Traleg Rinpoch disse que os métodos analíticos
apenas podem chegar até ao entendimento da mente. Ao contrário, diz
ele, de um meditador, que através do acalmar da mente e da sua
contemplação, pode desenvolver uma compreensão sobre a natureza da
mente e como ela se relaciona com tudo o resto.”
Mas, o que é
Consciência? E, o que é Mente? Sem responder a estas dúvidas não
podemos entender o que somos, em que sentido o somos e qual nossa
relação com o universo, a vida e a realidade. O Budismo propõe
respostas a estas questões há 2500 anos, mas o Buda histórico não
esgotou o entendimento delas em seus discursos da época, até mesmo
porque a humanidade da Índia de cerca de 500 a.C. não tinha o mesmo
desenvolvimento da humanidade de hoje. O discurso de Shakyamuni
certamente adaptou-se à compreensão dos seus interlocutores e não
se poderia esperar algo diferente. Então, as dúvidas da época não
são as mesmas de agora.
A filosofia budista
foi se adaptando às demandas de cada época, e assim foram nascendo
as diferentes linhagens (Theravada, Mahayana, Terra Pura, Vajrayana,
etc.), e hoje em dia elas são bem mais aprofundadas. Por isso, uma
conversa com a física moderna, a psicologia e a neurociência parece
tão adequada ao Buddhadharma, uma vez que o mesmo é não uma
religião no sentido Ocidental, mas um caminho espiritual (marga, em
Sânscrito) visando a libertação do ser, seu despertar
(buddhimarga, em Sânscrito). Na visão Oriental de “caminho” não
há tanto espaço para dogmatismo e crenças como na visão Ocidental
de “religião”. A ênfase é dada em três fatores: proposição,
teste e confirmação. A proposição é a única parte que se
aproxima da visão de crença, mas num modo apenas introdutório, não
definitivo, nem crucial. A fase do teste é aquela em que as técnicas
são utilizadas até se chegar a determinado resultado. Mas, este
resultado final não é controlado pela crença na proposição
inicial, que é apenas um norteador. Este resultado é algo muito
individual, conforme cada praticante, e isso explica as diferenças
na visão do Dharma por muitos mestres ao longo da história budista.
A fase da confirmação não ocorre sem modificações ou novas
nuances. Um rápido estudo das diversas técnicas budistas nas
linhagens desde o Budismo antigo ao Vajrayana e Mahasandhi (Dzogchen,
Mahamudra) comprova isso. As ênfases são distintas e, não poucas
vezes, as contradições são evidentes. São, portanto, caminhos a
serem seguidos, cada um com suas implicações.
Então, não há, de
fato, UM caminho para o Dharma, mas caminhos. O Dharma é um, mas os
caminhos que se conduzem até ele são muitos. Há vários "budismos", não há como negar. E, há vários "caminhos do Dharma", pois o conceito de Dharma não é O Dharma.
Quando se fala em
Mente e Consciência estas divergências aparecem claramente. No
Budismo, a relação da Mente com a Realidade interfere completamente
no modo como se vai definir consciência. Mas, não são apenas
conceitos? Sim, são conceitos. Portanto, são provisórios,
relativos, encaixam-se no que se chama de Verdade Relativa. São
percepções provisórias de algo que se supõe ter alguma realidade
absoluta em algum nível, com certeza não-racional.
Ao definir
Consciência nos perguntamos quem tem consciência de quê. Assim,
antes da Consciência, vem o ente consciente. A mente é este ente?
Mas, o Budismo diz que tudo é “vazio” de existência inerente.
Então, esta mente como ente da consciência não existe por si
mesma. Se a consciência é algo como uma propriedade de uma mente e
esta mente também é dependente de algo, ela também é parte de
algo que não estamos percebendo conceitualmente.
As conclusões
budistas sobre esta questão são realmente muito complexas e, por
vezes, parece que estamos num jogo de cabra-cega. Transpor a
subjetividade do estado de meditação para a racionalidade do
discurso parece complicar ainda mais as coisas e só nos mostra um pálido
reflexo do que foi acessado no estado meditativo. Isso é inegável!
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