terça-feira, 25 de junho de 2019

A Consciência que a tudo permeia

Por Paulo Stekel



Um artigo de 2016 de Lion’s Roar intitulado “A Consciência está em toda a parte”, de Sam Littlefair Wallace, afirmava que neurocientistas e budistas concordam quanto a este ponto: a consciência permeia tudo (pampsiquismo), sendo uma propriedade intrínseca a toda a realidade [ver artigo em https://mindmatters.pt/2016/05/14/neurocientistas-e-budistas-de-acordo-a-consciencia-esta-em-toda-a-parte/].

O mote do artigo é uma pesquisa do neurocientista Christof Koch, especialista em estados de consciência, que em 2013 foi à Índia discutir por um dia inteiro o tema com monges budistas ligados ao Dalai Lama.

Como diz o artigo: O pampsiquismo, a ideia de uma consciência universal, é um pensamento relevante presente em alguns ramos da filosofia da Grécia antiga, do paganismo e do budismo. Até recentemente, vinha sendo largamente desvalorizado pela ciência moderna.

No seu trabalho sobre consciência, Koch colaborou com o pesquisador Giuliu Tononi. Tononi é o pai da teoria da consciência mais aceite atualmente, a chamada Teoria da Informação Integrada (TII), à qual Koch se referiu uma vez como sendo ‘a única teoria fundamental da consciência que é verdadeiramente promissora.’

A teoria de Toroni defende que a consciência apresenta-se em sistemas físicos que contêm muitas partes diferentes de informação altamente interligadas. Baseado nesta premissa, a consciência pode ser mensurada como uma quantidade teórica, a que os cientistas chamaram de phi.

(…) Existe já uma necessidade prática premente para encontrar uma forma de medir a consciência. Médicos e cientistas poderão usar o phi para saber se uma pessoa em estado vegetativo está efetivamente morta, qual o estado de consciência de uma pessoa demente, quando é que o feto desenvolve consciência, qual o grau de percepção dos animais ou, até mesmo, se um computador é capaz de sentir.

(…) A TII casa igualmente esta aplicação prática com ideias muito profundas. A teoria diz que qualquer objeto com um phi maior do que zero tem consciência. Isto significa que animais, plantas, células, bactérias e se calhar ate os prótons são seres conscientes.

(…) A investigação moderna e o recente diálogo entre budistas e cientistas tem-se centrado principalmente na compreensão do cérebro físico. Mas os cientistas ainda mal começaram a desenvolver um entendimento sobre a mente – ou consciência – propriamente dita.

No entanto, da parte do budismo este é um debate que tem vindo a decorrer há milhares de anos. O budismo associa a mente à senciência. O falecido Traleg Kyabgon Rinpoche declarou, uma vez, que enquanto a mente, juntamente com os objetos, é vazia, é porém, ao contrário deles, luminosa. Com sinal semelhante, a TII afirma que a consciência é uma qualidade intrínseca a tudo, porém apenas se revela de forma significativa em determinadas condições – no mesmo sentido como tudo é possuidor de massa, mas apenas objetos maiores possuem gravidade perceptível.

(…) Christof Koch, o qual começou a interessar-se pelo budismo durante os seus tempos de faculdade, diz que a sua visão do mundo é coincidente com os ensinamentos budistas sobre o ‘não eu’, impermanência, ateísmo e pampsiquismo.

(…) No Mosteiro de Drepung, o Dalai Lama disse a Christof Koch que Buda ensinou que a senciência está em todos os lugares a vários níveis e que os humanos devem ter compaixão por com todos os seres sencientes. Até aquele momento, Koch ainda não se havia apercebido do peso desta filosofia.

(…) A Teoria da Informação Integrada mostra-se bastante promissora em relação ao futuro. A partir de mais investigação, Koch e Tononi poderão levar mais longe os seus testes sobre consciência, provando que todos os seres são sencientes. Entretanto, budistas em todo o mundo trabalham permanentemente no sentido do desenvolvimento de uma compreensão sobre a mente. Traleg Rinpoch disse que os métodos analíticos apenas podem chegar até ao entendimento da mente. Ao contrário, diz ele, de um meditador, que através do acalmar da mente e da sua contemplação, pode desenvolver uma compreensão sobre a natureza da mente e como ela se relaciona com tudo o resto.”

Mas, o que é Consciência? E, o que é Mente? Sem responder a estas dúvidas não podemos entender o que somos, em que sentido o somos e qual nossa relação com o universo, a vida e a realidade. O Budismo propõe respostas a estas questões há 2500 anos, mas o Buda histórico não esgotou o entendimento delas em seus discursos da época, até mesmo porque a humanidade da Índia de cerca de 500 a.C. não tinha o mesmo desenvolvimento da humanidade de hoje. O discurso de Shakyamuni certamente adaptou-se à compreensão dos seus interlocutores e não se poderia esperar algo diferente. Então, as dúvidas da época não são as mesmas de agora.

A filosofia budista foi se adaptando às demandas de cada época, e assim foram nascendo as diferentes linhagens (Theravada, Mahayana, Terra Pura, Vajrayana, etc.), e hoje em dia elas são bem mais aprofundadas. Por isso, uma conversa com a física moderna, a psicologia e a neurociência parece tão adequada ao Buddhadharma, uma vez que o mesmo é não uma religião no sentido Ocidental, mas um caminho espiritual (marga, em Sânscrito) visando a libertação do ser, seu despertar (buddhimarga, em Sânscrito). Na visão Oriental de “caminho” não há tanto espaço para dogmatismo e crenças como na visão Ocidental de “religião”. A ênfase é dada em três fatores: proposição, teste e confirmação. A proposição é a única parte que se aproxima da visão de crença, mas num modo apenas introdutório, não definitivo, nem crucial. A fase do teste é aquela em que as técnicas são utilizadas até se chegar a determinado resultado. Mas, este resultado final não é controlado pela crença na proposição inicial, que é apenas um norteador. Este resultado é algo muito individual, conforme cada praticante, e isso explica as diferenças na visão do Dharma por muitos mestres ao longo da história budista. A fase da confirmação não ocorre sem modificações ou novas nuances. Um rápido estudo das diversas técnicas budistas nas linhagens desde o Budismo antigo ao Vajrayana e Mahasandhi (Dzogchen, Mahamudra) comprova isso. As ênfases são distintas e, não poucas vezes, as contradições são evidentes. São, portanto, caminhos a serem seguidos, cada um com suas implicações.

Então, não há, de fato, UM caminho para o Dharma, mas caminhos. O Dharma é um, mas os caminhos que se conduzem até ele são muitos. Há vários "budismos", não há como negar. E, há vários "caminhos do Dharma", pois o conceito de Dharma não é O Dharma.

Quando se fala em Mente e Consciência estas divergências aparecem claramente. No Budismo, a relação da Mente com a Realidade interfere completamente no modo como se vai definir consciência. Mas, não são apenas conceitos? Sim, são conceitos. Portanto, são provisórios, relativos, encaixam-se no que se chama de Verdade Relativa. São percepções provisórias de algo que se supõe ter alguma realidade absoluta em algum nível, com certeza não-racional.

Ao definir Consciência nos perguntamos quem tem consciência de quê. Assim, antes da Consciência, vem o ente consciente. A mente é este ente? Mas, o Budismo diz que tudo é “vazio” de existência inerente. Então, esta mente como ente da consciência não existe por si mesma. Se a consciência é algo como uma propriedade de uma mente e esta mente também é dependente de algo, ela também é parte de algo que não estamos percebendo conceitualmente.

As conclusões budistas sobre esta questão são realmente muito complexas e, por vezes, parece que estamos num jogo de cabra-cega. Transpor a subjetividade do estado de meditação para a racionalidade do discurso parece complicar ainda mais as coisas e só nos mostra um pálido reflexo do que foi acessado no estado meditativo. Isso é inegável!

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