Por Carter Phipps
“Visão de mundo”
é uma expressão popular nos dias de hoje e isso se explica. Ela vem
do alemão Weltanschauung e é usada, num jargão comum, para
indicar a ótica que empregamos para interpretar o mundo à nossa
volta. No mundo pós-moderno, passamos a reconhecer como essas óticas
interpretativas são importantes para moldar nossas perspectivas e as
perspectivas de outros. Parte disso é um resultado natural da
globalização e de nossa proximidade crescente de povos e culturas
que veem o mundo sob uma ótica radicalmente diferente. “Por que
eles nos odeiam?”, perguntou o presidente Bush na semana que se
seguiu ao 11 de setembro – uma pergunta que ecoou em numerosas
capas de revistas, manchetes de jornais por todo o país e na boca de
americanos atônitos que até então nunca tinham pensado em coisas
como uma visão de mundo. Os Estados Unidos foram forçados a aceitar
o fato de que existem outras pessoas que veem o mundo através de uma
lente completamente diferente – uma lente tão diferente que,
aquilo que para nós era impensável, tornou-se para eles
horrivelmente necessário. Mesmo dentro de nosso diversificado país,
está se tornando cada vez mais claro que as diferenças entre nós
não são apenas superficiais, de filiações políticas ou
religiosas. Há diferenças mais fundamentais em como interpretamos e
vivenciamos o mundo à nossa volta e dentro de nós.
Podemos pensar que
temos simplesmente uma percepção direta do mundo, mas de fato, cada
percepção é filtrada por nossa perspectiva particular, como fica
claro nos momentos em que somos confrontados com alguém cuja
perspectiva é radicalmente diferente da nossa. Como diz o filósofo
Ken Wilber: “O que nossa consciência nos entrega é posto em
contextos culturais e em muitos outros tipos de contextos, que
provocam uma interpretação e uma construção de nossas percepções
antes mesmo que elas atinjam a consciência. Assim, o que chamamos de
real, ou o que imaginamos como dado, é na realidade construído
– é parte de uma visão de mundo”.
Há na realidade um
lugar onde se estudam coisas amorfas como visões de mundo: o Centro
Leo Apostel, um instituto de pesquisa filiado à Universidade Livre
de Bruxelas. Eles definem uma visão de mundo da seguinte maneira:
“Uma visão de
mundo é um sistema de coordenadas ou um quadro de referência em que
tudo que nos é oferecido por nossas diversas experiências pode ser
colocado. É um sistema simbólico de representação que nos permite
integrar tudo o que sabemos, sobre o mundo e nós mesmos, num quadro
global, um quadro que ilumina a realidade como ela nos é apresentada
dentro de uma determinada cultura.”
Uma visão de mundo
não é exatamente um valor; é o próprio conglomerado de conclusões
sobre o mundo que determina que tipo de valores sustentamos. Não é
apenas uma coleção de pensamentos ou ideais; são as próprias
estruturas da psique que ajudarão a determinar que tipo de
pensamentos ou ideias teremos. Visões de mundo são como uma
construção invisível de andaimes em nossa consciência, conclusões
profundas sobre a natureza da vida, que ajudam a moldar como nos
relacionamos praticamente com tudo à nossa volta. Como o estudioso
cristão N. T. Wright explica, as visões de mundo “são como as
fundações de uma casa: vitais, mas invisíveis. São aquilo através
do qual, não para o qual, uma sociedade, ou um indivíduo,
normalmente olha”.
Não escolhemos
visões de mundo do modo como escolhemos um conjunto de roupas ou
decidimos sobre nossas preferências musicais. Visões de mundo são
construídas sobre a arquitetura cognitiva e psicológica do self
e são fortemente influenciadas pela cultura em que vivemos. Não são
simplesmente sabores que vamos escolhendo com cuidado no bufê
cultural, acréscimos conscientes a nossas personalidades – uma
dose de conservadorismo aqui, uma ajuda da religião ali, um bocado
de liberalismo mais adiante. Não, visões de mundo estão atadas ao
próprio desenvolvimento do self no contexto de uma dada
cultura. Não as possuímos; na maior parte das vezes, elas nos
possuem. São estruturas profundas que determinam o próprio modo
como criamos significados nas faculdades exclusivas de nossa
consciência.
Poderíamos dizer
que as visões de mundo nos ajudam a tirar um sentido da experiência
de estarmos vivos; elas são, em outras palavras, epistemológicas.
São também ontológicas, significando que informam o modo como
compreendemos a natureza fundamental do próprio ser. Mas, antes que
você comece a pensar que visões de mundo são ideias abstratas,
deixe-me dissuadi-lo dessa noção. Crescendo numa cidade pequena na
orla do Cinturão da Bíblia [N.T. Cinturão da Bíblia é o nome
dado a uma extensa região do sudeste dos Estados Unidos onde a
influência das igrejas protestantes é muito forte], a pessoa
aprende desde cedo que visões de mundo são assustadoramente
práticas. Para um adolescente, elas determinam coisas cruciais como
quem pode dançar em festas, quem acha que tudo bem o sexo antes do
casamento e quem acha que ambas as coisas são um ato de possessão
satânica. Elas informam quem vai para nossa igreja ou se alguém vai
a alguma igreja. Respondem a questões relativas à raça e à
sexualidade. Ajudam a estabelecer como a pessoa encara a ética e a
moral. Traçam as possibilidades inerentes à masculinidade e à
feminilidade. Liberam e constrangem, dão confiança e são causa de
dúvida. São, poderíamos dizer, as verdadeiras placas tectônicas
de nossa cultura global, e seus movimentos determinam em grande parte
a direção e o desenvolvimento de nossa sociedade no decorrer do
tempo.
(…) De fato, no
centro de qualquer visão de mundo está uma convicção ou um
conjunto de convicções crucial sobre a natureza do que é real,
verdadeiro e importante. Assim, embora visões de mundo possam muito
bem ser complexas abominações psicossociais, de uma maneira
paradoxal também são simples. Não estou querendo dizer que sejam
simplistas, mas que estão construídas sobre fundações simples,
convicções profundas que estabelecem os parâmetros e definem os
termos em que construímos o self e a cultura. Uma visão de
mundo pode se expressar através dos indivíduos em centenas de
milhares de modos, mas cada uma dessas expressões trará consigo a
marca dessas convicções fundadoras.
O filósofo William
H. Halverson sugere que, “no centro de cada visão de mundo está o
que poderia ser chamado de ‘proposição primária’ dessa visão
de mundo, uma proposição que é considerada a verdade
fundamental sobre a realidade e serve de critério para determinar
que outras proposições podem ou não ser incluídas como candidatas
para a crença”. Por exemplo, podemos dizer que a proposição
primária de uma visão de mundo científica modernista é que o
universo é objetivamente compreensível pelo emprego de investigação
racional e metodologia científica – uma convicção que informa
suas interpretações de cada dimensão da vida, da religião à arte
e à economia.
(…) Alfred North
Whitehead, o grande evolucionário inglês e filósofo do processo,
(…) sugeriu que a realidade é construída não de fragmentos de
matéria, mas de “ocasiões” momentâneas de experiência que
caem uma dentro da outra e fluem uma para a outra, criando a sensação
de realidade e tempo, assim como moléculas de hidrogênio e oxigênio
em cascata criam a realidade de um rio. Ele chamou nosso fracasso em
reconhecer esse movimento, nossa tendência a transformar fluxo em
fixidez, de “falácia da falsa concretude”.
[Trecho do livro
“Evolucionários
– revelando o potencial espiritual e cultural de uma das maiores
ideias da ciência”,
de Carter Phipps (Ed. Cultrix). A noção de “falácia da
falsa concretude” citada no final do texto é muito semelhante à
explicação do Buda sobre a ilusão do eu e da percepção do mundo,
que impede que se veja o encadeamento de todas as causas e condições,
a lei da originação codependente – pratityasamutpada, em
Sânscrito.]
Sobre
o autor
Carter Phipps
é escritor, jornalista e principal voz da emergente “visão de
mundo evolucionária”, que combina as percepções da Filosofia
Integral, da ciência evolucionária, da psicologia desenvolvimental,
das ciências sociais e da espiritualidade evolucionária.
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