quinta-feira, 11 de julho de 2019

Visões de Mundo e Realidade Construída

Por Carter Phipps


“Visão de mundo” é uma expressão popular nos dias de hoje e isso se explica. Ela vem do alemão Weltanschauung e é usada, num jargão comum, para indicar a ótica que empregamos para interpretar o mundo à nossa volta. No mundo pós-moderno, passamos a reconhecer como essas óticas interpretativas são importantes para moldar nossas perspectivas e as perspectivas de outros. Parte disso é um resultado natural da globalização e de nossa proximidade crescente de povos e culturas que veem o mundo sob uma ótica radicalmente diferente. “Por que eles nos odeiam?”, perguntou o presidente Bush na semana que se seguiu ao 11 de setembro – uma pergunta que ecoou em numerosas capas de revistas, manchetes de jornais por todo o país e na boca de americanos atônitos que até então nunca tinham pensado em coisas como uma visão de mundo. Os Estados Unidos foram forçados a aceitar o fato de que existem outras pessoas que veem o mundo através de uma lente completamente diferente – uma lente tão diferente que, aquilo que para nós era impensável, tornou-se para eles horrivelmente necessário. Mesmo dentro de nosso diversificado país, está se tornando cada vez mais claro que as diferenças entre nós não são apenas superficiais, de filiações políticas ou religiosas. Há diferenças mais fundamentais em como interpretamos e vivenciamos o mundo à nossa volta e dentro de nós.

Podemos pensar que temos simplesmente uma percepção direta do mundo, mas de fato, cada percepção é filtrada por nossa perspectiva particular, como fica claro nos momentos em que somos confrontados com alguém cuja perspectiva é radicalmente diferente da nossa. Como diz o filósofo Ken Wilber: “O que nossa consciência nos entrega é posto em contextos culturais e em muitos outros tipos de contextos, que provocam uma interpretação e uma construção de nossas percepções antes mesmo que elas atinjam a consciência. Assim, o que chamamos de real, ou o que imaginamos como dado, é na realidade construído – é parte de uma visão de mundo”.

Há na realidade um lugar onde se estudam coisas amorfas como visões de mundo: o Centro Leo Apostel, um instituto de pesquisa filiado à Universidade Livre de Bruxelas. Eles definem uma visão de mundo da seguinte maneira:

“Uma visão de mundo é um sistema de coordenadas ou um quadro de referência em que tudo que nos é oferecido por nossas diversas experiências pode ser colocado. É um sistema simbólico de representação que nos permite integrar tudo o que sabemos, sobre o mundo e nós mesmos, num quadro global, um quadro que ilumina a realidade como ela nos é apresentada dentro de uma determinada cultura.”

Uma visão de mundo não é exatamente um valor; é o próprio conglomerado de conclusões sobre o mundo que determina que tipo de valores sustentamos. Não é apenas uma coleção de pensamentos ou ideais; são as próprias estruturas da psique que ajudarão a determinar que tipo de pensamentos ou ideias teremos. Visões de mundo são como uma construção invisível de andaimes em nossa consciência, conclusões profundas sobre a natureza da vida, que ajudam a moldar como nos relacionamos praticamente com tudo à nossa volta. Como o estudioso cristão N. T. Wright explica, as visões de mundo “são como as fundações de uma casa: vitais, mas invisíveis. São aquilo através do qual, não para o qual, uma sociedade, ou um indivíduo, normalmente olha”.

Não escolhemos visões de mundo do modo como escolhemos um conjunto de roupas ou decidimos sobre nossas preferências musicais. Visões de mundo são construídas sobre a arquitetura cognitiva e psicológica do self e são fortemente influenciadas pela cultura em que vivemos. Não são simplesmente sabores que vamos escolhendo com cuidado no bufê cultural, acréscimos conscientes a nossas personalidades – uma dose de conservadorismo aqui, uma ajuda da religião ali, um bocado de liberalismo mais adiante. Não, visões de mundo estão atadas ao próprio desenvolvimento do self no contexto de uma dada cultura. Não as possuímos; na maior parte das vezes, elas nos possuem. São estruturas profundas que determinam o próprio modo como criamos significados nas faculdades exclusivas de nossa consciência.

Poderíamos dizer que as visões de mundo nos ajudam a tirar um sentido da experiência de estarmos vivos; elas são, em outras palavras, epistemológicas. São também ontológicas, significando que informam o modo como compreendemos a natureza fundamental do próprio ser. Mas, antes que você comece a pensar que visões de mundo são ideias abstratas, deixe-me dissuadi-lo dessa noção. Crescendo numa cidade pequena na orla do Cinturão da Bíblia [N.T. Cinturão da Bíblia é o nome dado a uma extensa região do sudeste dos Estados Unidos onde a influência das igrejas protestantes é muito forte], a pessoa aprende desde cedo que visões de mundo são assustadoramente práticas. Para um adolescente, elas determinam coisas cruciais como quem pode dançar em festas, quem acha que tudo bem o sexo antes do casamento e quem acha que ambas as coisas são um ato de possessão satânica. Elas informam quem vai para nossa igreja ou se alguém vai a alguma igreja. Respondem a questões relativas à raça e à sexualidade. Ajudam a estabelecer como a pessoa encara a ética e a moral. Traçam as possibilidades inerentes à masculinidade e à feminilidade. Liberam e constrangem, dão confiança e são causa de dúvida. São, poderíamos dizer, as verdadeiras placas tectônicas de nossa cultura global, e seus movimentos determinam em grande parte a direção e o desenvolvimento de nossa sociedade no decorrer do tempo.

(…) De fato, no centro de qualquer visão de mundo está uma convicção ou um conjunto de convicções crucial sobre a natureza do que é real, verdadeiro e importante. Assim, embora visões de mundo possam muito bem ser complexas abominações psicossociais, de uma maneira paradoxal também são simples. Não estou querendo dizer que sejam simplistas, mas que estão construídas sobre fundações simples, convicções profundas que estabelecem os parâmetros e definem os termos em que construímos o self e a cultura. Uma visão de mundo pode se expressar através dos indivíduos em centenas de milhares de modos, mas cada uma dessas expressões trará consigo a marca dessas convicções fundadoras.

O filósofo William H. Halverson sugere que, “no centro de cada visão de mundo está o que poderia ser chamado de ‘proposição primária’ dessa visão de mundo, uma proposição que é considerada a verdade fundamental sobre a realidade e serve de critério para determinar que outras proposições podem ou não ser incluídas como candidatas para a crença”. Por exemplo, podemos dizer que a proposição primária de uma visão de mundo científica modernista é que o universo é objetivamente compreensível pelo emprego de investigação racional e metodologia científica – uma convicção que informa suas interpretações de cada dimensão da vida, da religião à arte e à economia.

(…) Alfred North Whitehead, o grande evolucionário inglês e filósofo do processo, (…) sugeriu que a realidade é construída não de fragmentos de matéria, mas de “ocasiões” momentâneas de experiência que caem uma dentro da outra e fluem uma para a outra, criando a sensação de realidade e tempo, assim como moléculas de hidrogênio e oxigênio em cascata criam a realidade de um rio. Ele chamou nosso fracasso em reconhecer esse movimento, nossa tendência a transformar fluxo em fixidez, de “falácia da falsa concretude”.

[Trecho do livro “Evolucionários – revelando o potencial espiritual e cultural de uma das maiores ideias da ciência”, de Carter Phipps (Ed. Cultrix). A noção de “falácia da falsa concretude” citada no final do texto é muito semelhante à explicação do Buda sobre a ilusão do eu e da percepção do mundo, que impede que se veja o encadeamento de todas as causas e condições, a lei da originação codependente – pratityasamutpada, em Sânscrito.]

Sobre o autor


Carter Phipps é escritor, jornalista e principal voz da emergente “visão de mundo evolucionária”, que combina as percepções da Filosofia Integral, da ciência evolucionária, da psicologia desenvolvimental, das ciências sociais e da espiritualidade evolucionária.


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