terça-feira, 9 de julho de 2019

Drogas X Meditação: a polêmica

Por Paulo Stekel



AVISO: ESTE ARTIGO TEM PROPÓSITO INFORMATIVO E EDUCACIONAL.
NÃO INCENTIVAMOS, RECOMENDAMOS OU GLORIFICAMOS O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICODÉLICAS OU QUALQUER TIPO DE DROGA. ALÉM DE SEREM PROIBIDAS E ILEGAIS EM DIVERSOS PAÍSES, O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS PODE DESENCADEAR SURTOS PSICÓTICOS, ESQUIZOFRENIA E OUTROS DISTÚRBIOS MENTAIS COM CONSEQUÊNCIAS IMPREVISÍVEIS E IRREVERSÍVEIS. AS PESSOAS, BEM COMO SUAS OPINIÕES E RELATOS APRESENTADOS NO VÍDEO "DMT - Experimentando o Impossível", QUE INTEGRA ESTE ARTIGO, NÃO CORRESPONDEM DIRETAMENTE ÀS OPINIÕES E VALORES QUE COMPARTILHAMOS. NÃO USE DROGAS!




A polêmica sobre o uso de drogas e enteógenos (como DMT, ayahuasca, etc) e sua associação com meditação e técnicas não duais. O objetivo deste artigo não é ser conclusivo, mas ser um texto introdutório, visando contribuir para um debate mais focado em informações e esclarecimentos que em paixões de ambos os lados.

A polêmica do uso de drogas e, em especial, os chamados “enteógenos” em processos espirituais e até meditativos, parece crescer a cada dia. Exatamente por isso, resolvemos escrever este artigo, para contribuir de alguma forma no sentido da elucidação da questão, que parece muito longe de um final.

Comecemos definindo “drogas”, “alucinógenos” ou “psicodélicos” e “enteógenos”.

Drogas

Conforme o https://www.google.com/search?q=Dicion%C3%A1rio (Dicionário do Google) e o https://www.dicio.com.br/droga/ (Dicionário Online de Português) e https://pt.wikipedia.org/wiki/Droga (Wikipedia), que qualquer pessoa pode acessar, “droga” pode ser (incluímos apenas as definições necessárias para o escopo deste artigo):

(1) qualquer substância ou ingrediente usado em farmácia, tinturaria, laboratórios químicos etc. Ex: "drogas farmacêuticas".

(2) qualquer produto alucinógeno (ácido lisérgico, heroína etc.) que leve à dependência química e, por extensão, qualquer substância ou produto tóxico (fumo, álcool etc.) de uso excessivo; entorpecente.

Substância que causa alucinações (morfina, cocaína etc.) e pode levar à dependência física ou psicológica; narcótico, entorpecente: tráfico de drogas.

Origem ETIM. fr. drogue 'ingrediente de tintura ou de substância química e farmacêutica, remédio, produto farmacêutico'.

Alucinógenos e Psicodélicos

Conforme https://pt.wikipedia.org/wiki/Droga_alucin%C3%B3gena, “o alucinógeno, droga psicodélica, droga alucinógena ou droga alucinogênica é, literalmente, uma substância capaz de provocar alucinações. A classificação mais consensualmente aceita para tal classe de substâncias psicoativas foi proposta por Jean Delay, que as classifica como dislépticas (modificadoras), em oposição às analépticas (estimulantes) e lépticas (depressores). São considerados efeitos específicos dessa classe de substâncias alterar os sentidos, a percepção, a concentração, os pensamentos e a consciência.

O inventário de plantas (e elementos ativos) com propriedades alucinógenas proposto por Hofmann (apud Fontana) inclui:

Lophophora williamsii (mescalina), da América do Norte e Central;
Rivea corymbosa (Ergina), do México e América Central);
Amanita muscaria (Muscimol, ácido ibotênico), da Europa, Irã e Ásia;
Psilocybe mexicana (Psilocina, Psilocibina), do México e América do Norte e Central;
Psilocybe cubensis (Psilocina, Psilocibina), das Américas;
Peganum harmala (harmina), da Ásia e América do Sul;
Banisteria caapi (Harmina, Harmalina), da Amazônia: componente da ayahuasca sul-americana;
Piptadenia peregrina (Anadenanthera peregrina e Anadenanthera colubrina (Dimetiltriptamina), do Rio Orinoco, na América do Sul.

Esta lista originalmente incluía a Cannabis sativa (haxixe) da Ásia: contudo, existe grande controvérsia sobre tal classificação, assim como também é controversa a inclusão da muscarina – substância derivada do cogumelo Amanita muscaria.

Quanto à ampliação dessa classificação, nesse grupo deve-se acrescentar um conjunto de outras plantas que contêm a N,N-Dimetiltriptamina, a saber: Psychotria viridis (Chacrona, Chacruna), utilizada em combinação com a B. caapi por diversos grupos indígenas da Amazônia; a Virola calophylla (V. theidora, V. rufula, V. colophylla); o Epena, também da Amazônia; a Jurema (Mimosa hostilis ou M. nigra), do nordeste brasileiro; sapos do gênero Bufos (Bufo alvarius; Bufo marinus ou Cururu) que contenham a bufotenina em suas secreções: a bufotenina corresponde a uma variação molecular da dimetiltriptamina. (…)

As drogas alucinógenas, como referido, são assim chamadas por um de seus possíveis e mais relatados efeitos, que é a propriedade de causar alucinações (falsas percepções) e visões irreais ou oníricas aos seus utilizadores. Outros nomes propostos também estão associados a efeitos atribuídos e relatados, tais como: Psicotomiméticos e Psicotogênicos, por induzir efeitos semelhantes à psicose (mais especificamente as alucinoses e alucinações); Psicodélicos, por sua propriedade de fazer aparecer ou revelar a psique oculta; Enteógenos pelo reconhecimento antropológico de que tal classe de substâncias é frequentemente utilizado nas mais diversas culturas em rituais religiosos.”

Enteógenos

Conforme https://pt.wikipedia.org/wiki/Ente%C3%B3geno: “Enteógeno (também chamado enteogênico (português brasileiro) ou enteogénico (português europeu)) é uma substância alteradora da consciência que induz ao estado xamânico ou de êxtase. É um neologismo que vem do grego, tendo sido proposto em 1973 por investigadores, dentre os quais se pode citar Gordon Wasson (1898-1986). Segundo Roberts, foi incluído no Dicionário Oxford de Inglês na lista de novas palavras desde setembro de 2007, significando uma substância química, normalmente de origem vegetal, que é ingerida para produzir um estado de consciência não ordinária para fins religiosos ou espirituais.

A palavra "enteógeno", que significa, literalmente, "manifestação interior do divino", deriva duma palavra grega obsoleta da mesma raiz da palavra "entusiasmo", e se refere à comunhão religiosa sob efeito de substâncias visionárias, ataques de profecia e paixão erótica. Este termo foi proposto como uma forma elegante de nomear estas substâncias, sem tachar pejorativamente costumes de outras culturas.

O uso de plantas (ou fungos) para alteração da consciência e percepção é uma realidade mundial e milenar. Até mesmo animais usam plantas com atividade psicotrópica, como é o caso de javalis e primatas que cavam para conseguir as raízes do poderoso Tabernanthe iboga. Substâncias atuais do nosso cotidiano, como vinho e tabaco, eram, originalmente, ligadas a cultos religiosos. Os sacerdotes védicos da Antiga Índia utilizavam o soma, uma bebida alucinógena, para entrar em contato com o Reino Celestial. Os druidas, sacerdotes celtas, tomavam uma poção que lhes dava força e coragem. O rei Salomão tinha conhecimento de enteógenos. A partir dos anos 1960, os livros de Carlos Castaneda popularizaram o uso de enteógenos. Entre as plantas, alguns dos enteógenos mais conhecidos são ayahuasca, jurema, Cannabis, Yopo, Peiote e Ololiuqui. Entre os fungos, Psilocybe e Amanita.

Quando são plantas, os enteógenos também são chamados de plantas mestres, plantas professoras, plantas de conhecimento, plantas de poder e plantas sagradas. Ver uma lista mais completa de enteógenos: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_ente%C3%B3genos

Efeitos da DMT (dimetiltriptamina)

Conforme https://pt.wikipedia.org/wiki/Dimetiltriptamina, “a dimetiltriptamina (N,N-dimetiltriptamina, onde: N,N-dimetil-1H-indolo-3-etanamina), cuja abreviatura é DMT, é uma substância psicodélica (grupo de agentes químicos também denominados como psicodislépticos), termo proposto por J. Delay (traduzido como modificadores ou perturbadores do sistema nervoso central) pertencente ao grupo das triptaminas, semelhante à serotonina e/ou à melatonina como sugerem alguns estudos, em especial, do Dr. Rick Strassman na Universidade do Novo México, em 1990.

É encontrada in natura em vários gêneros de plantas (Acacia, Mimosa, Anadenanthera, Chrysanthemum, Psychotria, Desmanthus, Pilocarpus, Virola, Prestonia, Diplopterys, Arundo, Phalaris, dentre outros), em alguns animais (Bufo alvarius possui 5-Meo-DMT, um alcalóide bastante parecido em estrutura e em propriedades químicas) e também produzida pelo corpo humano.

É o princípio ativo da mistura da ayahuasca, utilizada nos rituais do Santo Daime e do vinho de Jurema e é bem conhecida por índios brasileiros e da América do Sul em geral. Sua propriedade psicodélica tem efeito curto e intenso quando fumada em forma de base livre. Na mistura da ayahuasca e, talvez, de algumas formas de preparação da jurema, onde a concentração do elemento ativo é relativamente bem menor que forma de extrato de DMT, seu efeito é menos intenso e mais duradouro e torna-se ativo oralmente por conta de um IMAO (inibidor da monoaminoxidase) que também pode ser encontrado in natura em diversas plantas.(Banisteriopsis, Peganum).

O DMT é sintetizado pelo corpo humano. Não existem ainda respostas conclusivas sobre as funções deste DMT interno, tão pouco sobre o órgão responsável por esta produção - função especuladamente dada à epífise neural, conhecida como glândula pineal, mas há, no meio científico, uma série de apontamentos e teorias. Sabe-se que as quantidades de DMT produzidas no cérebro são reguladas pela MAO (monoaminoxidase) e este processo é coadjuvante nos estados alterados de percepção e consciência criados pelo consumo (oral, intravenal ou por vias aéreas) de DMT externo.

A polêmica

Pois bem, após toda esta introdução conceitual, para facilitar a compreensão de termos comuns, mas geralmente pouco entendidos, vamos ao cerne da questão.

Alguns praticantes de meditação – tanto a gradual quanto a súbita ou não dual – propõem que o uso de certas substâncias como o DMT, por pessoas que praticam meditação, pode favorecer o acesso a níveis mais elevados de consciência. Dizem isso, pela semelhança dos efeitos do uso de DMT (e drogas semelhantes) como descritos por usuários, com os efeitos de certos tipos de meditação. Esquecem, contudo, dos possíveis riscos do uso de certas substâncias por pessoas com tendência a sofrimentos psíquicos como depressão, psicoses, e doenças como esquizofrenia, parafrenia, Transtorno Maníaco Depressivo (Bipolaridade), etc.

Parece ponto pacífico, pelo menos, que o uso de DMT e outras substâncias, não conduz à iluminação, mas alguns pensam que podem conduzir a estados mais elevados de consciência do tipo “iluminação menor”, como numa escada. Mesmo isso é contestado pelos mestres não duais do Advaita Vedanta e mesmo do Budismo.

Mas, para vocês terem uma noção dos efeitos do uso do DMT, por exemplo, sugerimos agora que assistam o vídeo abaixo, e depois retornem à leitura deste artigo (legendado em Português):


A descrição do vídeo em questão traz o seguinte parágrafo: “Existe uma grande discussão em torno dos psicodélicos, questionando se as ‘trips’ são alucinações ou outros planos de existência acessados através da Dimetiltriptamina. Um dos ganchos dos que defendem a segunda opção, são as similaridades absurdas entre os relatos.”

A questão pode ser dividida em várias perguntas:

1) As viagens com psicodélicos/enteógenos são alucinações ou não?
2) Se não são alucinações, são o que? São outros planos de existência ou apenas aspectos profundos da mente-corpo?

3) Se são aspectos profundos da mente-corpo (o complexo DEVE incluir ambos em uma pessoa viva!), tais substâncias podem conduzir a um estado mais elevado e, quiçá, até um Despertar Completo ou uma espécie de “iluminação”?

4) Se tais substâncias levam à percepção de outros planos de existência, são dimensões ou universos paralelos ou apenas aspectos dentro do continuum mental?

5) Em nível não dual último, estas substâncias realmente levam a algo novo e relevante ou apenas exacerbam a noção de eu identitário, autorreferente e ilusório, além de, possivelmente, potencializar tendências de dissociação extrema, como esquizofrenia, etc?

Responder a estas questões é importante para uma abordagem segura do uso destas substâncias do ponto de vista espiritual. Porém, para que sejam devidamente respondidas, é necessário o conhecimento advindo de várias formas de entendimento, como aquelas fornecidas pela psicologia, neuropsicologia, psiquiatria, farmacologia, neurociências, ciência contemplativa (meditação), filosofia e as tradições espirituais contemplativas. Ninguém pode pretender ter o conhecimento definitivo e completo de um assunto tão complexo e que divide opiniões de modo tão acirrado.

Exatamente por isso, os argumentos que usaremos em seguida apenas sugerem reflexões sobre o tema, sem a pretensão de ser conclusivos.

Estados de Consciência e os Psicodélicos

As experiências com DMT parecem estar muito próximas das descrições do bardo como descritos no Budismo Vajrayana e das descrições da física quântica sobre a realidade, como se pôde perceber no vídeo que sugerimos um pouco acima. Tais semelhanças não só são incríveis, como devem ser uma chave de compreensão que merece ser analisada. Ela envolve a percepção neural e, no caso do bardo, talvez envolva aspectos da mente que não dependem de neurônios.

Do ponto de vista não dual, as experiências com DMT ou outras substâncias semelhantes são ambas as coisas: experiências neurais e expressão energética do espaço. Não se pode negar os neurônios, suas sinapses, a interferência de substâncias psicoativas sobre os neurônios e a chuva neural que ocorre. A mente se expressa TAMBÉM pela chuva neuronal, mas a mente não é APENAS isso. Quando se morre, os neurônios se dissolvem, pois o corpo morre. Mas, a mente subsiste como um fluxo, um continuum, e é este continuum que é acessado em ALGUM grau por quem usa certas drogas, como DMT. Mas, num nível mais profundo de não-dualidade, é possível acessar a fonte do continuum que independe de um corpo e, portanto, não é um eu autorreferente. DMT mexe em todos os "botões" do complexo neural e o bagunça, de certa forma. Mexe com uma aparelhagem que não se conhece direito e causa muitos efeitos que misturam alucinação com percepção não dual legítima. Os “seres” encontrados sob efeito de DMT, descritos no vídeo, provavelmente são aspectos não duais do eu autorreferente, ou melhor, o aspecto não autorreferente do eu. O aspecto autorreferente é o “eu psicológico”; o não referente é a mente primordial se comunicando com o eu autorreferente.

Neurônios, sinapses, etc, são sim, categorias conceituais, porém baseadas em observação. Não são categorias filosóficas, mas visuais. Não é a mesma coisa. Quando os não dualistas falam da não substancialidade das coisas, do eu, de tudo, o falam em sentido filosófico, não em sentido científico, e é importante fazer esta distinção. Além disso, o não dualismo não nega as coisas como se nos apresentam. Apenas contesta que o que vemos é tudo o que há e que o modo como vemos é o como tudo é.

Na verdade, ao falar em neurônios, sinapses, DMT, drogas, etc, não estamos, necessariamente, reforçando algo inerentemente existente, mas utilizando nossa capacidade mental de relativizar diante do abismo do absoluto que nos circunda. É uma estratégia da mente não dual original, mas é válida para um observador válido, ainda que este observador seja relativo e não absolutamente existente ou inerentemente existente. Temos que aprender a usar os termos não duais não de modo clichê, mas realmente entendendo o que querem dizer epistemologica e ontologicamente aqueles que os utilizaram pela primeira vez. Sem isso, corremos o sério risco de REALMENTE não estarmos falando o mesmo que eles, por não estarmos usando os termos no SENTIDO em que eles os utilizaram. E, como as palavras não podem ser, simplesmentes, jogadas para o alto e, do jeito que caírem, produzir um sentido que nos satisfaça…

Ficam sérias dúvidas sobre se o uso de substâncias que excitam os neurônios nos apresentariam a Totalidade. Talvez não seja isso, mas simplesmente uma forma de alucinação da mente através da excitação neuronal. A ideia de interconexão pode surgir nesta experiência, mas não é a mesma coisa experimentada pelo Dzogchen ou mesmo pela meditação gradual. Quando se medita, se chega num nível em que NATURALMENTE o cérebro faz jorrar o DMT que ele produz e dá as mesmas alucinações, de modo mais controlado. O Buda de certa forma percebeu isso quando colocou como um dos 5 preceitos para leigos o não uso destas substâncias. Ele disse, sabendo do caráter alucinatório das visões em meditação, para que fôssemos adiante, não parando na meditação destas visões. Então, ele entendia que isso era apenas mais uma forma de ilusão da mente, e não uma iluminação. É apenas uma forma de samadhi de baixa qualidade que deve ser transcendido. Mas, chegar ali não pelo DMT naturalmente produzido pelo cérebro (talvez na pineal), mas por uma dose maior vinda de uma substância, é bastante arriscado, porque temos que considerar os riscos médicos envolvidos, especialmente nos casos de pessoas com tendências a transtornos mentais, como esquizofrenia e psicoses.

Para encerrar o que, na verdade, é apenas o início de um debate ocorrendo em muitos lugares, não estamos contestando que o uso de certas substâncias possa ajudar certas pessoas a acessar aspectos profundos de suas mentes. Contudo, o que nos importa mais é a saúde delas, pois não estão claros os limites entre a alucinação e a percepção ampliada, entre a dose certa e a psicotizante, entre a realidade ainda que convencional a que estamos acostumados e uma Realidade Superior, além da razão e eu autorreferente. A única forma de tornar isso tudo claro é mais pesquisa em todas as frentes.


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